A situação não deixa de ser curiosa, especialmente porque o Paraná foi um dos pioneiros no assunto. Entre 1999 e 2000 um programa da Clínica de Sexualidade, órgao de extensao da Universidade Tuiuti, realizou pelo menos quatro procedimentos em Curitiba.
A iniciativa, contudo, foi cancelada após uma paciente ter complicações pós-operatórias e entrar com uma ação judicial contra o Hospital de Clínicas, parceira do programa. Já em 2008, quando o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a ofertar o procedimento, o próprio HC chegou a montar uma equipe, mas nunca deu entrada no processo de credenciamento.
Por conta dessa situação, os pacientes acabam tendo de ser encaminhados para hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro e, principalmente, Rio Grande do Sul. “Conseguir o procedimento demora em torno de 5 ou 6 anos, mas também conheço quem já está há oito, nove anos na fila”, conta a psicóloga Wilsali Pallu, do Transgrupo Marcela Prado.
Nesse sentido, a história da professora Brenda Ferrari da Silva, 36, diretora do Colégio Estadual Professora Irma Antonia Bortoletto de Anchini, pode ser considerada exemplar. Desde 1999 ela aguarda para poder realizar o procedimento, após três tentativas frustradas em sequência.
“Fiz o tratamento na Tuiuti por dois anos, mas o Hospital de Clínicas não fez mais (cirurgias) e me transferiram para a Santa Casa de Porto Alegre. Em 2002, cheguei a ser internada, passar pelo anestesista e tudo”, recorda ela, que minutos antes de entrar na sala de cirurgia foi informada de que o SUS havia cortado a verba para a realização de sua operação”, recorda.
Ela ainda tentou, mas não conseguiu a cirurgia pelo Hospital de Clínicas do estado vizinho por morar no Paraná. Foi quando resolveu ingressar com um processo contra a União, o Estado e o município (de Curitiba). “Ganhei em todas as instâncias e em 2010 saiu a sentença final. Fui então encaminhada para a fila de espera do Rio de Janeiro e agora entrei na lista dos que vão fazer a cirurgia no ano que vem”.
Nome social e alteração do registro civil em alta
O uso do nome social e a alteração do registro civil, instrumentos importantes para se garantir a plenitude de direitos àqueles que possuem uma identidade de gênero diferente daquela que lhe foi determinada biologicamente, estão em alta no Paraná. Atualmente, segundo a Secretaria Estadual de Educação (Seed), 131 alunos utilizam o nome social, o segundo maior número do país, atrás apenas de São Paulo (365).
Desde 2010 tal medida vem sendo adotada pelas instituições de ensino, mas até 2016 somente os alunos maiores de 18 anos gozavam desse direito. No final do ano passado, contudo, um parecer aprovado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná deu um parecer favorável ao uso do nome social por alunos menores de 18 anos.
Segundo a coordenadora da Educação das Relações de Gênero e Diversidade Sexual da Seed, Melissa Colbert Bello, a mudança é positiva e facilita a inclusão dessas pessoas na escola. “Você tem uma transexual, ela faz construção de corpo e a primeira coisa que adequa é o nome. Chamar pelo nome de registro, um nome masculino, uma pessoa toda feminina, ou vice-versa, é colocar ela em uma situaçlão de constrangimento. Vai ser alvo de piadas e até violência”, aponta.
Além disso, a alteração do nome civil (quando se altera também o nome que aparece em documentos como a carteira de identidade, por exemplo) também está em alta. Somente no ano passado o Transgrupo Marcela Prado atendeu mais de 100 pessoas que estavam com o processo de alteração do nome em andamento.
Estado já conta com serviço ambulatorial de acompanhamento
Se ainda não realiza o procedimento cirúrgico, por outro lado o Paraná (mais precisamente Curitiba) conta desde o começo deste ano com serviço ambulatorial para procedimentos transexualizadores, como a terapia hormonal e acompanhamento psicólogico dos usuários em consultas antes e depois da cirurgia de redesignação de sexo.
A novidade facilitou (e muito) a vida daqueles que pretendem se submeter a cirurgia. Antes, eles tinham de viajar uma vez por semana ao estado cujo hospital estivesse credenciado para fazer o acompanhamento – como o processo é irreversível, o Ministério da Saúde exige que antes da cirurgia seja feito um acompanhamento multidisciplinar por pelo menos dois anos. Agora, conseguem realizar essa etapa aqui mesmo.
Para ambos os gêneros, a idade mínima para procedimentos ambulatoriais é de 18 anos. Esses procedimentos incluem acompanhamento psicológico e hormonioterapia. Já para procedimentos cirúrgicos, a idade mínima é de 21 anos. Após a cirurgia, deve ser feito acompanhamento por mais um ano.
Desde 2008, o SUS oferece cirurgias e procedimentos ambulatoriais para pacientes que precisam fazer a redesignação sexual. Entre 2008 e 2016, ao todo, foram feitos 349 procedimentos hospitalares e 13.863 procedimentos ambulatoriais relacionados ao processo transexualizador pelo Sistema Único.
Rápida
Minoria
Diferente do que muitos poderiam imaginar, são poucos, uma minoria, em verdade, os transexuais que querem fazer a cirurgia de mudança de sexo. “Há, de fato, um incômodo estético, mas não são todos que querem fazer o procedimento”, afirma a psicóloga Wilsali Pallu, apontando ainda que a procura maior é pelos procedimentos secundários, mais importantes até por uma questão social e estética.
“Afinal, são cirurgias como a retirada da mama ou implante de silicone que irão acabar por reforçar o gênero”, diz a especialista. (Com Bem Paraná)