Domingo, 23 Abril 2017 13:42

Violência contra profissionais de saúde vira rotina no Paraná

Ao longo dos últimos anos, com o agravamento da crise econômica e a consequente contenção de gastos apresentada como solução para o saneamento das contas públicas, o setor de saúde acabou sangrando.

 

Subfinanciamento, falta de estrutura, falta de pagamento dos profissionais e até a escassez de materiais básicos são alguns dos problemas verificados por todo o país e que afetam fortemente aqueles que estão na “linha de frente” da saúde — enfermeiros, médicos e recepcionistas, entre outros.

 

E por estarem na linha de frente do atendimento, sofrem com a violência, já que são uma espécie de “porta de entrada” para o serviço, aqueles que literalmente "põe a cara a tapa".

 

E nas visões do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-PR) e do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), a escalada dessa violência levou a um cenário inédito, transformando o consultório médico quase que num ringue.

 

“É noticiado quase que diariamente algum tipo de violência cometido contra algum profissional de saúde. São trabalhadores constantemente vítimas de violência, seja física, psicológica ou verbal”, afirma Maurício Marcondes Ribas, corregedor-geral do CRM-PR.

 

“Não existem dados oficiais no Paraná, mas seguramente, se for feito um levantamento das várias unidades, todo dia vai ter uma queixa de alguma rusga entre paciente e o profissional de saúde”, complementa.

 

De fato, são poucos os estudos sobre o assunto. O mais recente foi uma pesquisa realizada pelos conselhos de Medicina e de Enfermagem de São Paulo (Cremesp e Coren-SP).

 

Os dados revelaram que 75% dos 5.658 médicos e profissionais de enfermagem entrevistados já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho.

 

A maior parte dos casos ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como principais agressores familiares ou acompanhantes de pacientes, seguido pelos próprios pacientes, durante o atendimento. Os registros mais comuns são os de violência verbal, seguidos de agressão psicológica e, por fim, física.

 

Violência não é caso recente

 

Os dados do Perfil da Enfermagem no Brasil, divulgados em 2015 pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) ajudam a criar um retrato da situação no Paraná.

 

Segundo a pesquisa, que abordou o tema da violência no trabalho, somente 33% dos enfermeiros no estado se sentem protegidos no ambiente de trabalho.

 

Esse sentimento fica latente quando observamos que 67% dos 8.345 entrevistados apontaram já ter sofrido violência psicológica, que 19,6% revelaram terem sido vítimas de violência institucional e 13%, já ter sido alvo de agressões físicas.

 

Um outro estudo, mais antigo, é a tese de mestrado defendida pela pesquisadora Eliene Simões Cezar, da Universidade Norte do Paraná.

 

Os dados, de 2005, mostram que a situação de violência a qual estão expostos o profissional da saúde não é novidade: entre os 14 médicos do serviço de urgência de um hospital de Londrina, 86% revelou já ter sido vítima de algum tipo de violência no trabalho.

 

Entre os enfermeiros o índice é ainda maior, com 100% dos 33 entrevistados revelando já terem sido violentados. Os ataques, de acordo com a pesquisa, vão de xingamentos à pancadaria e até mesmo ameaças de morte.

 

Gênero

 

A questão de gênero também tem grande peso na violência contra profissionais da saúde, apontam o Conselho Regional de Medicina (CRM-PR) e o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-PR).

 

Entre auxiliares de enfermagem, técnicos e enfermeiros, elas representam 87% dos profissionais, com idade média entre 36 e 50 anos. Nas faculdades de medicina, também já são a maioria. 

 

“É muito presente a questão de discriminação por gênero. Somos uma população majoritariamente feminina e somos discriminadas por sermos mulheres, por nossa cor, por questão de peso, estética”, afirma Simone Peruzzo.

 

“Hoje a mulher está entrando na medicina mais do que entrava, e ela atendendo pode dar ao paciente uma impressão e maior fragilidade, encorajando-o a abordá-la de forma mais agressiva”, aponta Maurício Marcondes Ribas.

 

Situação é reflexo da atualidade brasileira

 

Para o corregedor-geral do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), a situação é reflexo do momento que vivemos em todos os segmentos da sociedade, com a banalização da violência.

 

Ainda segundo Marcondes Ribas, o empobrecimento do país e o crescimento da taxa de desemprego geram uma angústia grande, fazendo aumentar as taxas de adoecimento da população.

 

Sem o mesmo poder aquisitivo de outrora, contudo, essas pessoas acabam tendo de buscar ajuda no sistema público de saúde,

 

“Estamos tendo uma migração de toda uma população para o sistema público de saúde. São pessoas que perderam o convênio, o emprego, perderam o poder de compra”, afirma o médico.

 

“A população do SUS, que já é muito grande, vem então aumentando. Com isso, as filas ficam maiores e as vezes o número de profissionais habilitados não é o suficiente, o que gera uma expectativa de atendimento que não se concretiza e a partir daí surgem uma série de fatores que levam à violência”, explica o profissional.

 

“A coisa centralizou na questão financeiro, mas a saúde sempre teve problema financeiro. No discurso de qualquer político a saúde é prioridade, mas na verdade nunca foi, nunca foi. Isso que nos deixa mais angustiados”, diz a enfermeira Simone Peruzzo, presidente do Coren-PR. 

 

Para ela, além de investimentos, os problemas da saúde também precisam de inovações, de ideias novas que combatam não só a falta de estrutura, mas também uma certa imobilidade do sistema. (Com Bem Paraná)

 

 

 

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