A discussão está em foco após um casal de policiais militares, o filho de 13 anos e mais dois parentes serem achados mortos a tiros na noite de segunda-feira, 5 de agosto, na zona norte de São Paulo. Para a polícia, o menino é o principal suspeito. A família, no entanto, contesta essa versão.
Segundo pesquisadores em segurança e em comportamento psicótico, é raro em todo o mundo ver casos de pessoas que promovem um massacre na família, principalmente quando se trata de crianças. No Brasil, não há dados estatísticos sobre crimes resultantes de um quadro psicótico cometidos por menores de idade. Mas nos locais onde existe literatura sobre casos assim, os índices são baixíssimos. "Nos EUA, as estatísticas de quem mata pelo menos um dos pais correspondem a 2% dos homicídios, e quem mata vários membros da família é muito menos. Criança dessa idade que comete suicídio após o crime é mais difícil ainda. Quando isso acontece, há um histórico de grandes conflitos domésticos, abuso sexual, interesse financeiro", explica a criminóloga Ilana Casoy.
Já o psiquiatra forense Talvane de Moraes, da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que, pela literatura internacional, ocorrências com as características apontadas pela polícia de São Paulo no caso do estudante Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini tem um porcentual abaixo de 1% da população. "O que surpreende é a idade. A maior frequência desses casos é em adolescentes de 16 a 18 anos. É importante ressaltar que, se aconteceu, é uma exceção mesmo entre os casos de doentes mentais", afirma. "Normalmente, um doente é vítima de um crime, e não criminoso."
No entanto, para Moraes, é possível uma criança premeditar um crime quando tem esquizofrenia ou está sob um surto. Os sinais de uma doença psiquiátrica podem aparecer lentamente ou a crise pode ser até momentânea. "Às vezes, os pais não percebem os sinais, que podem ocorrer de tal maneira insidiosa. O adolescente é rebelde por natureza, é inquieto, e isso pode ocasionar mascaramento dos sintomas. Mas é preciso ter cautela: não quer dizer que todo garoto rebelde esteja vivendo um quadro como esse."
Em casos de surtos, ele explica, a criança não sabe distinguir as relações de afeto e quem são os parentes mais próximos. "Os sentimentos de amor, solidariedade e compaixão pelos pais e familiares podem cair por terra. Há atitude pragmática no crime comum, que visa a algum resultado. Em casos de surtos, não existe nenhum pragmatismo."
Ele diz que, de acordo com alguns indícios, o menino poderia ter sofrido um quadro assim. "Todas as pessoas que ouvem o caso têm uma sensação de estranheza por uma criança ter matado os pais. Nós raciocinamos com um pensamento de quem não está doente. A ocorrência por hipótese de um surto se manifesta exatamente pelo irracional. O surto foge da regra."
Já o tenente-coronel da reserva da PM Ricardo Jacob, vice-presidente da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo, contesta essa versão. "Um caso desse jeito, como a polícia acredita, é a primeira vez no mundo que acontece. Em 39 anos de Polícia Militar, nunca vi coisa semelhante."
Jacob cita elementos que ainda não estão esclarecidos e colocam em dúvida a autoria do crime pelo garoto. "Não acredito que tenha sido a criança ainda, por uma série de fatores. Pelo que acompanhei na imprensa, o local do crime estava muito arrumado, com tiros certeiros na vítima. A arma calibre .40 (que o garoto teria disparado) é uma munição policial e tem um 'stock power', ou seja, um poder de parada. A pessoa que atira recebe um impacto grande, um tranco e vai para trás. A criança deu um tiro na cabeça e a mão não desviou? A arma ficou embaixo do corpo?". (As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)