Mais de 18 milhões de mulheres sofreram violência em 2022

Mais um ano em que a violência contra as brasileiras têm sido crescente no país. É o que mostra a quarta edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil.

Realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o levantamento permite estimar que cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras foram vitimizadas em 2022, o equivale a um estádio de futebol com capacidade para 50 mil pessoas lotado todos os dias. Em média, as mulheres que foram vítimas de violência relataram ter sofrido quatro agressões ao longo do ano, mas entre as divorciadas a média foi de nove vezes.

A pesquisa traz dados inéditos sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas pelas brasileiras no ano passado. Em comparação com as edições anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no ano passado. Segundo o levantamento, 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022, a maior prevalência já verificada na série histórica, 4,5 pontos percentuais acima do resultado da pesquisa anterior.

"Todos os dados da pesquisa são realmente bem tristes, mas, quando olhamos para as violências sofridas pelas mulheres no Brasil, comparado com as pesquisas que a gente fez anteriormente, todas as modalidades de violência foram acentuadas nesse último ano. Então as mulheres estão sofrendo cada vez mais violência. Há aumento de 4 pontos percentuais sobre as mulheres que sofreram algum tipo de violência ou agressão no último ano, comparado com a pesquisa anterior. Esse é um dado que choca bastante”, lamenta a a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Amanda Lagreca.

A pesquisa ouviu 2.017 pessoas, entre homens e mulheres, em 126 municípios brasileiros, no período de 9 a 13 de janeiro de 2023, e foi realizada Instituto Datafolha e com apoio da Uber.

Os dados de feminicídios e homicídios dolosos de mulheres do ano de 2022 ainda não estão disponíveis, mas o crescimento agudo de formas graves de violência física, que podem resultar em morte a qualquer momento, é um sinal, diz a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. “Não será surpresa se nos depararmos com o crescimento de ambas as modalidades de violência letal contra as mulheres. Infelizmente, o Brasil ficou mais inseguro para todas nós.”

Os resultados da pesquisa mostraram que 11,6% das mulheres entrevistadas foram vítimas de violência física no ano passado, o que representa um universo de cerca de 7,4 milhões de brasileiras. Isso significa que 14 mulheres foram agredidas com tapas, socos e pontapés por minuto.

Entre as outras formas de violência citadas, as mais frequentes foram as ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças de violências físicas (12,4%), ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto que foi atirado nelas (4,2%) e esfaqueamento ou tiro (1,6%).

A pesquisa apresentou um dado inédito: uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida. São mais de 21,5 milhões de mulheres vítimas de violência física ou sexual por parte de parceiros íntimos ou ex-companheiros, representando 33,4% da população feminina do país.

Se considerado os casos de violência psicológica, 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas do parceiro íntimo. Mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas são as principais vítimas, revelou a pesquisa.

“Quando a gente olha esse dado de 33,4%, comparado com média global da Organização Mundial da Saúde, de 27%, o que estamos vendo é que no Brasil esse número é mais elevado do que o número um estimado pela OMS”, lamenta Amanda Lagreca.

Para a pesquisadora, outro dado chocante é com relação ao autor da violência. Pela primeira vez, o estudo apontou o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%).

O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%). O que mostra que o lugar menos seguro para as mulheres é a própria casa – 53,8% relataram que o episódio mais grave de agressão dos últimos 12 meses aconteceu dentro de casa. Esse número é maior do que o registrado na edição de 2021 da pesquisa (48,8%), que abrangeu o auge do isolamento social durante a pandemia de covid-19.

Outros lugares onde houve episódio de violência foram a rua (17,6%), o ambiente de trabalho (4,7%) e os bares ou baladas (3,7%). Sobre a reação à violência, a maioria (45%) das mulheres disse que não fez nada. Em pesquisas anteriores, em 2017 e 2019, esse número foi de 52%.

O número de vítimas que foi até uma Delegacia da Mulher aumentou em relação a 2021, passando de 11,8% para 14% em 2022. Outras formas de denúncia foram: ligar para a Polícia Militar (4,8%), fazer um registro eletrônico (1,7%) ou entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher pelo Disque 180 (1,6%).

Assédio sexual

A pesquisa mostrou que 46,7% das brasileiras sofreram assédio sexual em 2022, um crescimento de quase 9 pontos percentuais em relação a 2021, quando a prevalência de assédio foi de 37,9%.

Com a pesquisam pode-se estimar que 30 milhões de mulheres que relataram ter sofrido algum tipo de assédio; 26,3 milhões de mulheres ouviram cantadas e comentários desrespeitosos na rua (41,0%) ou no ambiente de trabalho (18,6% - 11,9 milhões), foram assediadas fisicamente no transporte público (12,8%) ou abordadas de maneira agressiva em uma festa (11,2%).

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

“Vale o custo”: a vida de pessoas que convivem com doenças raras

Cerca de 13 milhões de brasileiros convivem com algum tipo de doença rara, segundo dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), repositório de informações do Ministério da Saúde. 

A dificuldade no diagnóstico é um dos principais obstáculos para a rotina dessas pessoas que chegam a consultar até 10 médicos diferentes para chegar a um "veredito". Nesta terça-feira (28) é celebrado o Dia Mundial das Doenças Raras e para alertar a sociedade sobre o assunto, a Radioagência Nacional conta histórias de pessoas que convivem com algumas dessas enfermidades incomuns.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças raras são definidas pelo número reduzido de pessoas afetadas: 65 indivíduos a cada 100 mil pessoas. Cerca de 8 mil doenças já foram identificadas como raras no mundo. As enfermidades são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas, que variam de conforme a doença, assim como de pessoa afetada pela mesma condição.

Para 95% das doenças não há tratamento, restando somente os cuidados paliativos e serviços de reabilitação. Apesar do conjunto de informações disponíveis no repositório do Ministério, a própria pasta sofre de um "apagão de dados". O setor foi reestruturado pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e há previsão de uma coordenação para cuidar do tema, mas ainda não há responsável nomeado. Questionada pela reportagem da Radioagência Nacional, a pasta não soube informar quantas pessoas com doenças raras são atendidas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

Narcoplesia

Especial - Doenças Raras. ANA BRAGA ACORDADA - ACERVO PESSOAL - HORIZONTAL- Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Ana Braga foi aposentada do serviço público após diagnóstico de narcolepsia  Arquivo pessoal/Divulgação 

Ana Braga tem narcolepsia, uma doença que a faz apagar do nada, no meio da rua, entre amigos, durante uma festa bem agitada ou até “no meio do bem bom”, como ela faz questão de dizer. Segundo ela, ser narcoléptica significa também ser julgada por quem não entende a condição.

“Quando a gente tem um diagnóstico de alguma coisa que, de alguma doença que desacreditam a gente o tempo todo, é um misto de alívio, né? De alívio, uma alegria momentânea. Eu não estou inventando nunca, eu não estou inventando. Eu não sou preguiçosa, porque o sono tem isso, essa associação à preguiça, à malandragem, à pessoa que não quer nada com a vida, mas ao mesmo tempo vem: e agora?”, disse a servidora pública aposentada.

Hipersonia idiopática é sono diurno excessivo com ou sem aumento das horas de sono noturno. Em geral, os pacientes com a doença têm dificuldade para acordar e, quando acordam, experimentam um período de inércia do sono caracterizado por sonolência, diminuição da cognição e comprometimento motor. Braga fundou a Associação Brasileira de Narcolepsia e Hipersônia Idiopática (ABRANHI) para ajudar pessoas que tiveram ou terão diagnósticos parecidos.

“Desde o dia que leram no meu laudo, narcolepsia, nunca mais eu coloquei o pé dentro do meu serviço, o serviço público federal. O tempo que eu era vista como uma pessoa, uma funcionária preguiçosa, que dormia, que faltava e tudo mais, eu poderia estar entre as pessoas, eu poderia estar incluída. Eu poderia parar e dormir no meio do serviço, eu só não poderia parar e dormir no meio do meu serviço com o diagnóstico de doença rara chamada narcolepsia”, contou.

Ana foi aposentada compulsoriamente do serviço público e argumenta que poderia ter continuado a atividade se houvesse informação sobre sua condição.

“Um cochilo programado resolve isso quando a pessoa tá medicada, o sono controlado, você dorme e acorda zero bala”, contou. “Sim, eu fui aposentada por conta da narcolepsia. Eu não tive chances, eu não tive a menor chance de eu ser vista. Então, eu já fui pra licença e aquela licença sem volta”, acrescentou.

Doença de Addison

Especial - Doenças Raras. Adriana e Letícia Santiago - Addison - Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Adriana Santiago, ao lado de sua filha Letícia, conta a saga para descobrir o diagnóstico de uma doença incomum Arquivo pessoal/Divulgação

A bióloga Adriana Santiago tem uma filha que foi diagnosticada com insuficiência adrenal primária, conhecida como doença de Addison. A condição provoca alterações nos níveis de cortisol, um hormônio considerado medidor de estresse.

O aumento do cortisol no organismo pode indicar o nível de agitação de uma pessoa, mas quem tem a doença de Addison apresenta dificuldade de produção do cortisol e, em caso de um estresse mais forte, as consequências podem ser fatais. Entre os sintomas, está a perda excessiva de sódio e potássio, o que pode leva ao coma e à morte.

"Eu levava na pediatra que a acompanhava. Ela falava que era a manha da minha filha, que era a dor do crescimento. Chegaram até a pensar que era uma crise de apendicite, mas nada. Eu fui chamada de neurótica", lembra. "Foram três anos para descobrir o que realmente a minha filha tinha. A cada dia ela ia se definhando na minha frente, ia se desaparecendo. Todos os dias, vários episódios de vômito. Tinha que levar ela para o hospital para botar no soro. Ficava dois, três dias bem, depois voltava tudo novamente", completa.

Por ser uma doença que se manifesta, normalmente, após os 30 anos, os médicos descartavam prontamente a hipótese. Adriana conta que uma médica protagonizou uma das cenas mais sádicas que lembra ter vivido.

"[A médica] começou a rir e chamou a secretária. Falou: 'olha só o que essa mãe está falando" e começaram a rir aquelas gargalhadas. [Em seguida], abriu um livro na minha frente e começou a ler sobre doença de Addison. A doença de Addison, geralmente, é a partir dos 30 anos, mas tem casos fora da curva e a minha filha era um caso fora da curva", disse.

A medicação usada no tratamento da doença é fabricada no Brasil ao custo de aproximadamente R$ 31 centavos, por cápsula. No entanto, as pessoas com doença no sistema adrenal têm sofrido com a escassez do remédio no país.

“Aqui no Brasil, não tem a fabricação da hidrocortisona. O único lugar que está fabricando é o Hospital das Clínicas em São Paulo. Inicialmente era só para os pacientes deles. Depois eles abriram para mais gente, mas eles não têm condições de absorver o Brasil inteiro. E pasmem, essa medicação é muito barata”, descreveu. 

 
 

"Não vale o custo"

A filha de Adriana, Letícia Santiago, é aluna de medicina e se tornou uma voz ativa sobre o assunto na universidade após um episódio desagradável com os colegas de curso.

"Em um trabalho na disciplina de genética, disseram que foi uma doença rara e perguntaram se devia ser incluso ou não no teste do pezinho. Eu que estava escrevendo o que eles ditavam e chegou numa parte que eles falaram que 'não valia o custo' de aquela doença ser inclusa no teste do pezinho por ser uma doença rara. E eu tive que escrever aquilo, que ficou na minha mente: 'como assim não vale o custo? Porque é uma vida, né? São pessoas'", descreveu. 

Segundo o Instituto Vidas Raras, aproximadamente 72% por cento das doenças raras são de origem genética. O teste do pezinho pode reduzir a dificuldade obtenção do diagnóstico correto - e, assim, melhorar a qualidade de vida dos pacientes. 

 

Síndrome de Ehlers-Danlos (SED)

Especial - Doenças Raras. Kaliny Trevezani - Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) - Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Mesmo sendo médica, Kaliny Trevezani passou por 17 profissionais até descobrir sua doença Arquivo pessoal/Divulgação

Kaliny Trevezani é médica pediatra e sua profissão não evitou que passasse por uma peregrinação até descobrir que tinha Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), enfermidade com 14 tipos diagnosticados e todos associados a condições genéticas.

"Como paciente, foi uma trajetória difícil (…) fazer o diagnóstico, a investigação, tudo isso foi um processo demorado. O fato de eu ser médica não teve interferências nesse processo, eu passei por 17 médicos até conseguir encontrar o meu diagnóstico", contou.

Um dos sintomas mais prevalentes na SED é a fadiga e um dos mais incapacitantes. A condição, no entanto, tem uma série de sintomas que tornam o diagnóstico um grande quebra-cabeça de mil peças. Entre eles, estão a hipermobilidade das articulações, formação anormal de cicatrizes, ferimentos cicatrizantes, vasculatura frágil e pele lisa hiperextensível. A pele pode ser esticada vários centímetros, mas volta ao normal quando liberada.

“Você primeiro tem essa dor, cansaço, fadiga, depressão, ansiedade, que é o que geralmente a gente acaba inicialmente pensando para os pacientes, quando a maioria deles acabam sendo acompanhados, tratados por psiquiatra. Mas a gente tem o sistema gastrointestinal acometido, tem problemas de pele, problemas oculares. Enfim, acabam indo à diversas especialidades que não se conversam”, apontou.

 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Clima já mudou, e adaptação é urgente, afirmam especialistas

A ação humana acumulada desde a Revolução Industrial, nos séculos 18 e 19, já produziu mudanças significativas no clima global, e adaptar moradias e cidades a essa realidade é uma necessidade que precisa de respostas urgentes, avaliam ambientalistas e pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil.

Eventos extremos, como as chuvas que deixaram mais de 50 vítimas no litoral norte de São Paulo durante o carnaval, tendem a ser mais frequentes, e o poder público precisa agir para reduzir a vulnerabilidade das populações a esses cenários, destacam.

Nos últimos anos, recorrentes alertas dos pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) indicaram que a influência humana levou o planeta à trajetória de aquecimento mais rápida em 2 mil anos e já produziu uma temperatura média que supera o período pré-industrial em mais de 1 grau Celsius (°C).

Especialistas estimam que a temperatura global pode subir 1,8°C até 2100, mesmo se forem cumpridas todas as metas estabelecidas em 2015 pelo Acordo de Paris, firmado para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Sem o cumprimento de tais metas, cenários devastadores para a biodiversidade podem se concretizar com o aquecimento de até 3°C. 

Mas, além da extinção de espécies e do desequilíbrio de ecossistemas, os pesquisadores alertam que o aquecimento tornará mais frequentes episódios como temporais, inundações, secas e ondas de frio e calor. No Brasil, tais problemas atingirão em cheio cidades desiguais e com problemas de infraestrutura, sistema de geração de eletricidade dependente do regime de chuvas e economia que tem a agropecuária como setor de peso.

Eventos extremos

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo.
São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo. - Rovena Rosa/Agência Brasil

Estudiosa do tema e presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell é categórica ao alertar que "não existem catástrofes naturais nas cidades brasileiras". A avaliação da pesquisadora pode causar estranhamento diante de recorrentes eventos com dezenas e até centenas de vítimas, mas ela esclarece que nada disso é natural.

“É absolutamente catastrófico quando se sabe dos riscos climáticos e não se prepara para reagir, ou se prepara mal. Não há nenhuma naturalidade em desastres quando estamos falando de um ambiente urbano", diz. "As mudanças climáticas têm, sim, um papel ao exacerbar esses riscos e exigem uma preparação maior. Ainda assim, pode haver danos residuais. Mas o que determina se vai ter tragédia, ou não, é como nós, humanos, nos preparamos para isso."

A tempestade que atingiu as cidades paulistas na última semana foi a mais intensa já registrada por serviços meteorológicos no Brasil, com acumulado de 682 milímetros (mm) em 24 horas, segundo o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres (Cemaden). Isso equivale a dizer que, em cada metro quadrado da área mais atingida pelo temporal, caíram, em média, 682 litros de água da chuva -- mais que a metade do volume de uma caixa d'água de mil litros em cada metro quadrado da cidade de Bertioga, onde a marca foi registrada. Em São Sebastião, município vizinho, o índice pluviométrico chegou a 626 mm em 24 horas.

O recorde anterior de temporal mais intenso tinha sido registrado há apenas um ano, quando a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi inundada por 531 milímetros de chuva em 24 horas. A enxurrada deixou mais de 200 vítimas e devastou localidades como o Morro da Oficina, onde 90 pessoas morreram.

Natalie Unterstell lembra que os temporais já são o principal motivo de decretos de calamidade ou estado de emergência em municípios brasileiros e tendem a se tornar mais frequentes principalmente no Sudeste e no Sul do país. "Todos os cenários de mudança do clima apontam o aumento das chuvas, principalmente nos verões, para além do que se tinha faturado para construir nossas cidades e nossas casas. Essas tempestades vão ter papel preponderante nessas regiões nas próximas décadas", afirma.

A pesquisadora destaca que não existe mais a possibilidade de um cenário climático que não vá exigir adaptação nos próximos anos. O que está em jogo é quão drástica precisará ser a adaptação. "Será a 1,5°C, a 2°C, ou a 3°C? Quanto mais emissões, mais riscos e mais necessidades de adaptação."

"Temos ameaças muito diferentes projetadas para cada região do país. O que os modelos de mudança do clima nos informam é que, em geral, as regiões Norte e Nordeste vão ter um ressecamento maior, com menos chuvas e dias mais secos. São regiões em que as vazões de rios ficam comprometidas por isso. No Sul e Sudeste, é o contrário. Os modelos projetam para as próximas décadas aumento no volume das chuvas", explica. "O Centro-Oeste se destaca como a região que deve ter o maior aumento de temperatura. A depender do grau de aquecimento global, chegando a 3°C na média da temperatura global, a região não vai elevar só 3°C, mas muito mais do que isso, e é uma região já muito quente."

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, ressalta que houve uma sucessão de eventos extremos nos últimos anos, incluindo temporais no Recife, na Bahia e no norte de Minas Gerais. Segundo Astrini, a comprovação de que um evento específico está relacionado às mudanças climáticas é uma conclusão que nem sempre fica clara, mas o acúmulo de eventos como esses já é considerado consequência das alterações no clima por especialistas.

"Estamos vendo isso de forma contínua no Brasil e ao redor do mundo também. No ano passado, o Paquistão ficou com um terço do país totalmente submerso por enchentes recordes. No mesmo período, entre a Etiópia e o Quênia, houve seca recorde. Então, já estamos vendo um comportamento de clima extremo que, no Brasil, está trazendo alguns momentos de seca, mas muita chuva", diz. "Os temporais causam essa tragédia imediata, com deslizamentos que têm um custo em vidas que é muito mais mensurável, mas a questão da seca no Brasil tem impacto também preocupante. O Brasil é um país muito dependente das chuvas, principalmente por conta da geração de energia elétrica. Podemos ter crises hídricas, energéticas e na agricultura."

Racismo ambiental

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo.
São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo. - Rovena Rosa/Agência Brasil

A previsão dos pesquisadores é que esse problema de escala global terá como principais vítimas aqueles que já acumulam outras vulnerabilidades sociais, como menor acesso à saúde, a moradias seguras, a empregos formais e a infraestrutura urbana. Por outro lado, são elas as pessoas que menos contribuíram para o aquecimento global, afirmam especialistas.

"As populações mais expostas são as mais pobres. É a população preta, é a população periférica, é a população que sofre mais com desigualdade social e com racismo. E são as mulheres, principalmente. As mudanças climáticas são uma fábrica de gerar pobreza e desigualdade social", destaca Astrini.

"E o mais cruel de tudo isso é que essas pessoas são as que menos contribuem para o problema. Quem mais contribui com o problema é quem pode sair de helicóptero da Barra do Sahy [SP]. Quem polui o planeta são as pessoas mais ricas, e essas pessoas vão se adaptar mais facilmente. Elas perdem a casa, recebem o seguro e compram uma casa de praia em outro local. E as pessoas que consomem menos e têm uma pegada menor de carbono ficam com a maior parte da conta."

Natalie Unterstell acrescenta que crianças e idosos também estão entre os grupos vulneráveis e concorda que as classes sociais de menor renda serão mais afetadas por terem menos recursos para se proteger e reagir a eventos climáticos extremos. Nesse contexto, a desigualdade racial também é um fator a ser considerado, diz a pesquisadora.

"É importante lembrar de algo que é chamado na literatura de racismo ambiental, que é muito presente na nossa realidade. As pessoas pobres, em geral, são pretas, pardas e indígenas nos centros urbanos, e essas populações são atingidas em cheio por estarem habitando áreas de risco. E isso se torna ainda mais complicado para crianças e idosos, porque eles têm mais dificuldade para fugir, nadar", lembra a pesquisadora.

"Ao pensar na gestão desse risco, é preciso pensar nesses grupos sociais."

Adaptação Climática

Morro da Oficina, em Petrópolis local mais atingido pela enchente há um mês
Morro da Oficina, em Petrópolis local mais atingido pela enchente há um mês - Tomaz Silva/Arquivo Agência Brasil

O professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia – da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcos Freitas lembra que, em 1994, a defesa de sua tese de doutorado, na França, foi marcada por uma discussão acalorada de mais de três horas com um pesquisador que não acreditava nas mudanças climáticas.

"Deu um trabalho danado, mas, por fim, eu fui aprovado. Passados 30 anos da minha tese de doutorado, eu não tenho a menor dúvida de que o que está acontecendo agora é efeito desse 1,1°C a mais que a gente já está em relação à média de 1850 a 1900. Para cada 1°C a mais, a gente tem 7% a mais de evaporação no ciclo hidrológico, e isso causa chuvas mais intensas e eventos extremos", diz o geógrafo, que coordena o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/UFRJ.

Professor de duas disciplinas que discutem mudanças climáticas e vulnerabilidade climática na pós-graduação da UFRJ, Freitas diz que a engenharia precisa se debruçar com mais afinco sobre o tema para elaborar soluções inventivas e que o poder público aja sem demora para reduzir os riscos e proteger a população de um cenário que tende a se agravar.

"É importante que as políticas públicas que têm que atender a várias coisas, como problemas graves de distribuição de renda, de geração de emprego, de oferta de residências e saúde, comecem a ter um viés de adaptação à mudança do clima", defende.

Entre as prioridades, Freitas sublinha o número de cerca de 10 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco, segundo estimativa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) com base em dados do Censo 2010. Freitas calcula que o investimento para garantir moradias seguras para essa população pode estar na casa de dezenas de bilhões de reais.

"Se considerarmos cinco pessoas por residência, são 2 milhões de residências. Se o custo de cada residência for de R$ 200 mil, estamos falando de R$ 50 bilhões. Pode parecer muito, mas, se dividirmos em 5 anos, são R$ 10 bilhões por ano. E, se for em 10 anos, são R$ 5 bilhões por ano. Isso é muito pouco perto do resultado que daria de geração de emprego e renda no Brasil e de melhoria da qualidade de vida das cidades e das pessoas", afirma. "Esse programa poderia ser vinculado a uma agência multilateral importante, como o Banco Mundial, para não ter problemas de governança e poder passar de um governo para o outro independentemente de eleições."

Para o geógrafo, que é especialista em economia do meio ambiente, o governo federal precisará disponibilizar recursos e ter um papel de liderança e interação internacional para facilitar o processo. Cada um à sua maneira, os entes da federação vão precisar contribuir para a adaptação climática.

"Os estados têm muita responsabilidade e podem ajudar. Estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo têm muitos recursos de royalties de petróleo e precisam se preocupar com a transição energética para fontes renováveis. Nada mais justo que esses lugares com acesso a tais recursos usem parte deles na adaptação às vulnerabilidades", diz o professor.

"São os municípios que definem as políticas de ocupação e uso do solo, principalmente urbano. É importante também que tenham mapas bem feitos de áreas de risco e sistemas de alerta organizados."

Márcio Astrini defende a realização de um estudo aprofundado em cada área de risco para avaliar onde soluções de engenharia podem evitar novos desastres e de onde a população precisará ser removida para locais seguros, com emprego e vínculos sociais garantidos.

"Dentro dessas soluções de engenharia, há medidas imediatas, como o treinamento dos municípios, a capacitação das defesas civis, a contratação de equipamento, a implantação de sirenes. Tem muita coisa que pode ser feita até chegar a obras mais pesadas ou remoções." Astrini diz que, no plano federal, o governo precisará criar linhas orçamentárias para essa adaptação. “Os desastres em massa são uma nova realidade, em que os governos precisam inventar novas formas de lidar, principalmente novas formas orçamentárias."

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Pesquisa aponta que feijão é aliado na luta contra obesidade

O feijão é tradição na mesa do brasileiro, mas o que pouca gente sabe é que ele pode ser um aliado na luta contra obesidade. 

Uma pesquisa da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) revelou que cortar esse alimento da dieta, que é rico em proteínas, em minerais, como ferro, além de vitaminas e fibras, pode aumentar em 20% a chance de desenvolver obesidade, e, em 10%, a de excesso de peso.

Por  outro lado, o estudo apontou que o consumo regular, em cinco ou mais dias da semana, apresentou fator de proteção de 14%, no desenvolvimento de excesso de peso, e de 15%, da obesidade.

A pesquisadora Fernanda Serra Granado, da Faculdade de Medicina da UFMG, explica a importância do feijão para uma dieta equilibrada. 

"O uso não regular do feijão, ou mesmo o seu não consumo, foi associado com a obesidade porque o indivíduo, quando consome o feijão, ele consome junto outros alimentos saudáveis, como o arroz, alguns vegetais, uma salada e mesmo uma carne, compondo um prato nutricionalmente equilibrado para o ganho de peso e para a saúde", explica.

"Quando o indivíduo deixa de comer o feijão, muito provavelmente ele acaba fazendo escolhas alimentares mais inadequadas e não saudáveis, que apresentam elevada quantidade de calorias e, por vezes, poucos nutrientes, e por esse motivo, essa substituição acaba levando ao ganho de peso da população adulta."

A pesquisa apontou uma redução no consumo do feijão. A previsão é que em 2025 o brasileiro deixe de comer o alimento de forma regular e tradicional, passando a consumir entre um e quatro dias na semana. 

A pesquisadora Fernanda Serra Granado detalha os motivos dessa redução. "Os motivos para a redução do consumo regular de feijão ao longo dos anos têm sido a sua substituição pelos alimentos industrializados, especialmente os ultraprocessados que, apesar de serem alimentos muito mais práticos, muito mais convenientes, diante da correria do nosso dia a dia, eles também apresentam uma elevada quantidade de caloria, eles não têm pouco ou quase nenhum valor nutritivo. Por isso, eles acabam contribuindo para o ganho de peso da população e uma piora da qualidade da dieta."

A pesquisa utilizou dados de mais de 500 mil adultos, entre os anos de 2009 e 2019, acompanhados pelo Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde. 

 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

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