Famílias comemoram incorporação de remédio para neuroblastoma ao SUS

Com as mãos trêmulas e lágrimas no rosto, Laira Inácio comemorou nas redes sociais a recomendação de incorporação do medicamento betadinutuximabe para o tratamento de neuroblastoma de alto risco via Sistema Único de Saúde (SUS).

Laira é mãe de Ana Júlia, diagnosticada com a doença aos 7 anos. Após se submeter a tratamentos exaustivos e cirurgias, a menina, já com 10 anos, precisava do tratamento com o betadinutuximabe, que custaria em torno de R$ 2 milhões. A mãe utilizou a internet, alugou carros de som e chegou a acionar a Justiça. Mas o tempo, segundo a própria Laira, foi um inimigo implacável – Ana Júlia faleceu em 2023, antes de ter acesso ao remédio.

Brasília, (DF) - 12/01/2024 - A fundadora do Instituto Anaju, Laira Inácio, posa para foto em sua residência. Foto Valter Campanato/Agência Brasil.
Laira Inácio diz que incorporação do betadinutuximabe ao SUS vai mudar história do neuroblastoma no país - Valter Campanato/Agência Brasil

“Foi aprovado! O Qarziba [nome comercial do betadinutuximabe] vai ser implementado no SUS. Para que nenhuma criança mais sofra como a minha Ana Júlia e como outras crianças. Estou muito emocionada”, disse Laira, em vídeo postado em seu perfil no Instagram.

Em homenagem à filha, a jovem fundou o Instituto Ana Júlia, com o objetivo de oferecer assistência para crianças com câncer e doenças raras. A entidade, presidida por Laira, também arrecada fundos para a compra de medicações consideradas vitais para crianças em tratamento contra o câncer. “Estou muito feliz! Hoje é um dia memorável, que vai mudar a história do neuroblastoma no Brasil”, completou.

A ginecologista e obstetra Carla Franco também celebrou a recomendação de incorporação ao SUS do betadinutuximabe para o tratamento do neuroblastoma de alto risco. Em seu perfil no Instagram, ela lembrou que o protocolo para a doença no Brasil não era atualizado havia dez anos e destacou o alto custo do remédio.

“A medicação mais cara usada na oncologia pediátrica foi finalmente incluída no SUS”, postou. Além do conhecimento adquirido como profissional de saúde, Carla tem uma filha diagnosticada com neuroblastoma. Chamada Linda, a menina, de apenas 4 anos, já passou por rodadas de quimioterapia, cirurgia para retirada do tumor e dois autotransplantes de medula.

Rio de Janeiro (RJ), 06/09/2024 - Ginecologista e obstetra Carla Franco. Foto: Carla Franco/Facebook
Ginecologista e obstetra diz que pacientes do SUS poderão usar o betadinutuximabe no tratamento contra o neuroblastoma - Carla Franco/Facebook

Nas redes sociais, a médica explicou o que muda, a partir de agora, com a recomendação de incorporação do medicamento na rede pública.

“Na teoria, os pacientes do SUS que não faziam [uso do betadinutuximabe] vão poder fazer. E o plano de saúde tem que cobrir, sem [necessidade de recorrer à] Justiça”, destacou a médica.

A própria Carla enfrentou dificuldades para garantir a cobertura da medicação pelo plano de saúde contratado pela família. Segundo ela, Linda precisava iniciar o uso do Qarziba no dia 8 de julho. Após acionar a operadora em diversos momentos, o tratamento com o remédio foi iniciado apenas em agosto. Há uma semana, a menina concluiu o ciclo de dez dias de administração do betadinutuximabe, recebeu alta médica e já está em casa.

Em janeiro deste ano, a antropóloga e diretora do Ministério dos Povos Indígenas, Beatriz Matos, lançou uma campanha para arrecadar recursos em prol do tratamento do filho Pedro, de 5 anos, também diagnosticado com neuroblastoma. A família já havia vivido outro drama: o pai de Pedro é o indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022.

Neuroblastoma. Foto: Arte/Isa Matos
Campanha arrecadou recursos para o tratamento do menino Pedro - Arte/Isa Matos

O menino precisou ser submetido a um transplante de medula. A etapa seguinte do tratamento foi o uso do betadinutuximabe. A mobilização em favor da vida de Pedro revelou o drama de famílias como a de Ana Júlia e a de Linda, além de muitas outras.

neuroblastoma é o terceiro tipo de câncer mais recorrente entre crianças, perdendo apenas para a leucemia e tumores cerebrais. Figura ainda como tumor sólido extracraniano mais comum entre crianças, representando entre 8% e 10% de todos os tumores infantis. O aumento do volume abdominal é um dos sintomas da doença. Por esse motivo, o tumor pode ser descoberto a partir de queixas da criança relacionadas a dores na barriga ou mesmo incômodo no tórax. Pesquisas mostram que o problema, normalmente, aparece até os 5 anos e pode acometer, inclusive, recém-nascidos.

Neuroblastoma - infográfico sintomas e destaque. Foto: Arte/EBC

 

Entenda

Nesta quinta-feira (5), a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) recomendou a incorporação do betadinutuximabe para o tratamento de neuroblastoma de alto risco na rede púbica. Na prática, a decisão significa que o remédio passará a integrar o rol de medicamentos custeados e distribuídos pelo SUS. A condição estabelecida para que a medicação seja administrada na rede pública é que o paciente tenha sido previamente tratado com quimioterapia e alcançado pelo menos uma resposta parcial, seguida de terapêutica mieloablativa e transplante de células tronco.

O pedido de incorporação do betadinutuximabe ao SUS foi submetido à Conitec em janeiro deste ano pelo próprio fabricante do Qarziba, o laboratório Recordati. À época, a farmacêutica defendeu que a medicação fosse indicada para pacientes a partir dos 12 meses de vida, que já tenham sido tratados com quimioterapia de indução e que tenham alcançado pelo menos uma resposta parcial, seguida de terapêutica mieloablativa e transplante de células tronco; e também para pacientes com história de recidiva ou neuroblastoma refratário, com ou sem doença residual.

O laboratório argumentou que o medicamento foi utilizado em estudos clínicos realizados a partir de 2009 em pelo menos 126 centros envolvendo mais de mil pacientes em 18 países. “A imunoterapia anti-GD2, como é o Qarziba, não apenas melhora a sobrevida, como também reduz o risco de que todos os tratamentos anteriores pelos quais esses pacientes passam falhem com recidiva”, detalhou Recordati.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do betadinutuximabe em 2021. À época, o medicamento foi indicado pela autarquia para o tratamento de neuroblastoma de alto risco em pacientes a partir dos 12 meses. Como não havia passado pela aval da Conitec ainda, o tratamento com o remédio no país só era possível via rede privada e, conforme relatos de pacientes e familiares, mediante muita insistência junto a operadoras de planos de saúde e processos de judicialização.

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasi

Fila para transplantes de córnea no país quase triplica em uma década

O número de pacientes na fila de espera por um transplante de córnea no Brasil quase triplicou nos últimos dez anos, passando de 10.734 em 2014 para 28.937 em junho de 2024.

São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais lideram o ranking de espera, com cerca de 12,5 mil pacientes. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (2) pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).

Em nota, a entidade avalia que a pandemia da covid-19 impactou significativamente os procedimentos eletivos. O aumento mais expressivo na fila de espera por um transplante de córnea foi registrado exatamente em 2020, quando o total saltou de 12.212, em 2019, para 16.337, um crescimento de 33%.

Nos anos seguintes, a lista de espera por um transplante de córnea continuou a aumentar: 20.134 em 2021; 23.946 em 2022; e 26.905 em 2023. Os dados se referem ao Sistema Único de Saúde (SUS) e às redes privada e suplementar. 

Além da interrupção de cirurgias eletivas na pandemia, o CBO cita insuficiência de doadores e melhorias na gestão de transplantes.

Número de pacientes

De 2014 a junho de 2024, um total de 146.534 pacientes realizaram transplante de córnea. Atualmente, a Região Sudeste responde pelo maior número de pacientes em lista de espera ao longo dos anos. São Paulo lidera o ranking – no estado, a fila teve um aumento considerável, sobretudo entre 2019 (2.835) e 2023 (4.587).

No Rio de Janeiro, houve um crescimento acentuado da fila entre 2021 (2.898) e 2023 (4.274) – quase 50% em apenas dois anos. Rio Grande do Sul e Pernambuco também mostraram avanço rápido no número de pacientes em espera. O primeiro passou de 52 em 2014 para 1.299 em 2023, enquanto o segundo passou de 86 para 1.272 no mesmo período.

No Ceará e no Amazonas, a lista de espera por um transplante de córnea apresentou queda acentuada de 67% e 77%, respectivamente, durante o período. Amapá e Roraima não apresentaram dados durante o período analisado.

Tempo de espera

Em relação ao tempo de espera para realização dos transplantes, a média nacional é de 194 dias, pouco mais de 6 meses. Dos 26 estados e o Distrito Federal, encabeçam o ranking com maior tempo de espera o Maranhão (595 dias) e Pará (594 dias), ambos com algo em torno de 19 meses. No extremo oposto aparecem Ceará, com 63 dias de espera, Paraná, com 119, e Pernambuco, com 121 dias.

Para o CBO, o modelo vigente tem levado a distorções na assistência, como a existência de filas onde pacientes levam anos para serem atendidos. “Há casos pontuais de pacientes que aguardaram 190 meses, ou seja, 16 anos para realizar uma cirurgia de transplante de córnea, como aconteceu no Rio Janeiro. Também há situações que chamam a atenção como no Ceará (159 meses), no Pará (152 meses), em Minas Gerais (129 meses) e em Goiás (94 meses)”.

Capacidade

O conselho estima que, para zerar a atual fila de espera por transplantes de córnea, seria necessário praticamente dobrar a capacidade anual de transplantes. “No ano passado, o país registrou 16.027 procedimentos, um aumento significativo em relação aos anos anteriores, mas ainda insuficiente para atender à crescente demanda”, informou o CBO.

Este ano, até junho, foram contabilizados 8.218 transplantes de córneas, sendo que quase 3 mil deles em São Paulo.

O Brasil conta, atualmente, com 651 equipes treinadas para realizar transplantes de córnea, distribuídas em 429 serviços habilitados. Alguns, segundo o conselho, destacam-se pelo maior número de especialistas preparados, como o Hospital de Olhos Capixaba, no Espírito Santo, e o Centro Oftalmológico de Minas Gerais, que têm 14 equipes cada um.

“Todos os estados brasileiros contam com times preparados para execução desse procedimento, porém, a maioria dos especialistas está no Sudeste e no Sul”, destacou a entidade. São Paulo registra 210 equipes transplantadoras de córnea, seguido por Minas Gerais (72), Rio de Janeiro (65) e Espírito Santo (31). Fora desse eixo, surgem como destaques Paraná (30), Rio Grande do Sul (28) e Santa Catarina (24).

Demanda

“Apesar da capacidade operacional instalada e dos números crescentes no volume de transplantes, não tem sido possível absorver com rapidez a demanda crescente”, alerta a entidade, ao citar que os números mostram um aumento significativo na fila de espera em comparação aos transplantes efetivamente realizados.

Outra demanda classificada pelo CBO como fundamental é assegurar uma distribuição equitativa dos recursos, sobretudo em regiões onde a infraestrutura de saúde ocular é menos desenvolvida. “A situação atual requer ações coordenadas entre o governo e as organizações de saúde para expandir e otimizar os serviços de transplante de córnea no Brasil”, defende o CBO.

Conscientização

Outra estratégia citada pela entidade no intuito de reduzir a fila de espera por transplantes de córnea consiste em aumentar a conscientização sobre a importância da doação de órgãos e também sobre os investimentos em infraestrutura dos chamados bancos de olhos em todo o país.

Para isso, a entidade defende a continuidade de campanhas educativas sobre o tema e melhorias no sistema de captação e de distribuição de córneas como medidas necessárias para reverter uma tendência preocupante.

Os números e toda a temática envolvendo transplantes de medula serão discutidos durante a 68ª edição do Congresso Brasileiro de Oftalmologia, organizado pelo CBO e que acontece entre os dias 4 e 7 de setembro em Brasília.

 

 

 

 

Por -Agência Brasil

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