Desinformação permanente impacta de políticas públicas à saúde mental

No dia 27 de fevereiro, uma ampla mobilização nacional foi lançada para recuperar as coberturas vacinais, que estão em queda desde 2015.

Os esforços para que a população busque a imunização incluíram o fato de o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter recebido a vacina bivalente contra a covid-19 diante das câmeras. Porém, enquanto governo e veículos de imprensa destacavam a necessidade de aumentar a proteção contra as doenças imunopreveníveis, esforço contrário era empreendido nas plataformas digitais, com a divulgação de mentiras, conteúdos descontextualizados e teorias da conspiração que associavam de forma fraudulenta as vacinas até mesmo ao extermínio da população mundial. 

Esse movimento negacionista foi destrinchado em um relatório do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab/UFRJ). Os pesquisadores mostram que houve um pico de conteúdo antivacinista nas plataformas digitais no dia em que Movimento Nacional pela Vacinação foi lançado. Somente no Twitter, foram catalogadas mais de 50 mil publicações desse teor. 

Entre 26 de fevereiro e 21 de março, mais de 320 mil tuítes, 20 mil publicações no Facebook e 6 mil no Instagram com conteúdo antivacinista foram identificados pelo laboratório, que também registrou milhares de mensagens em grupos monitorados no WhatsApp e no Telegram e mais de 200 vídeos no TikTok. Enquanto pesquisadores, comunicadores e autoridades empenhavam-se em convencer a população da segurança e eficácia das vacinas, essas mensagens bombardeavam usuários de redes sociais com o oposto. 

O NetLab conseguiu mapear um grupo de 36 mil perfis no Twitter que retuitaram mais de 100 mil publicações com conteúdo antivacina após o lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação. Retuitar significa encaminhar para os seguidores publicação de outro perfil. Tal articulação acabou sendo mais intensa que a dos 41 mil perfis que fizeram 79 mil retuítes a favor da vacinação.

Ação criminosa

O movimento negacionista não passou despercebido pelo Ministério da Saúde. A ministra Nísia Trindade reconheceu que há uma campanha antivacinista buscando minar os esforços da sociedade para elevar a cobertura vacinal. "Temos enfrentado uma forte campanha, desde 27 de fevereiro, de fake news [notícias falsas] envolvendo a vacina bivalente. Isso é extremamente sério, e eu tenho destacado que não se trata de desinformação, se trata de ação criminosa”, declarou a ministra.

Coordenadora de pesquisa do NetLab, a cientista da informação Débora Salles explica que, em diversos momentos, a pauta política do país é um gatilho para campanhas de desinformação, e o movimento pela vacinação foi um episódio emblemático. "Quando o presidente Lula se vacina, a extrema direita ativa uma campanha muito intensa em que várias narrativas são acionadas em diferentes plataformas, tentando trazer dúvidas sobre o quão seguras as vacinas são", afirma. "Percebe-se que campanha se aproveita de um evento, mas as narrativas já circulavam antes e se intensificaram para criar um pico de discussão e trazer a atenção para aquela pauta, disputando a narrativa com a campanha oficial", diz Débora.

Desinformação permanente

Segundo a pesquisadora, os conteúdos que já estavam prontos e apenas foram intensificados fazem parte de um fluxo permanente de desinformação que circula nas plataformas digitais do Brasil e do mundo há anos, provocando desconfiança em relação a instituições, deturpações no debate público, amplificação de discurso de ódio e radicalização política. Débora define a desinformação como uma campanha sistemática cujo objetivo é produzir desconfiança nas pessoas e diz que o fluxo constante de mensagens deforma o debate público no longo prazo. 

"Muita propaganda e muita informação problemática passam por informação neutra, orgânica e verdadeira, e isso vai alterando a percepção das pessoas e a qualidade do debate público. E, quando se perde qualidade no debate público, isso leva a mudanças nas políticas públicas. Com o tempo, inclusive médicos passam a duvidar de evidências científicas”, enfatiza.

De acordo com Débora, esse caldeirão de desinformação depende de um núcleo que direciona campanhas, produz conteúdo e orquestra reações, mas também precisa de capilaridade para ser disseminado. “A desinformação bem-sucedida se aproveita de uma infraestrutura que vimos surgir no Brasil com a extrema direita, que foi montando uma estrutura que é tanto centralizada e organizada quanto capilarizada, e consegue chegar a várias pessoas de diferentes nichos e de diferentes formas", afirma a pesquisadora.

Ela afirma que a extrema direita é a corrente política que mais aposta na desinformação. “Nossos dados mostram que as campanhas de desinformação de outras posições ideológicas são exceção, mas é importante reforçar que, se não se atualizarem as regras do jogo, a tendência é que todas as vertentes queiram aproveitar essas estratégias de manipulação.”

O que a pesquisadora chama de infraestrutura é uma rede de perfis que atua em diversas plataformas de forma coordenada, republicando, comentando e participando de transmissões ao vivo, programas, podcasts, e também em portais e canais do YouTube, além de aplicativos de mensagens. Essa coordenação, inclusive, reduz a eficácia de derrubar publicações em uma plataforma específica, porque um tuíte, por exemplo, pode ser printado (impresso, copiado) e continuar circulando no Instagram ou no Telegram, mesmo depois de o original ser apagado. “A infraestrutura é uma atuação multiplataforma lucrativa e autossuficiente, que se retroalimenta e se republica. Nenhuma narrativa emplaca com um ou dois influenciadores em só uma rede social." 

A coordenadora do NetLab relata que o monitoramento de tal infraestrutura é um trabalho cada vez mais desafiador porque as plataformas digitais têm reduzido o acesso dos pesquisadores aos dados. É um desafio que ocorre na vertente política, com a defesa de uma regulamentação que garanta acesso aos dados, e também na vertente metodológica, porque é preciso construir formas de pesquisar o que está disponível neste momento.
“O primeiro passo é ter mais transparência para diagnosticar o problema e pensar em políticas públicas e regulamentação baseada em evidências. Atualmente os dados são escassos e incompletos. Cada empresa decide o que quer disponibilizar, e isso coloca a sociedade à mercê dos interesses corporativos dessas plataformas”.

Poluir o debate

Além da construção de narrativas falsas, a desinformação serve para desviar o foco do debate público e ocupar os espaços de discussão, ressalta o professor Victor Piaia, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas. 

“Hoje, as fake news fazem parte do repertório político das redes sociais. No fundo, atores políticos e militantes usam notícias que não são verdadeiras tanto para atingir alguém ou criar uma imagem, como para poluir o debate. Esse uso não necessariamente tem o objetivo de convencer, mas de evitar que outros assuntos sejam mais relevantes.”

O sociólogo lembra o curioso caso da notícia falsa da eleição de 2018 segundo a qual haveria distribuição de mamadeiras eróticas para crianças. Ele explica que as fake news mais inverossímeis se inserem em um contexto maior de bombardeio sobre um tema e contribuem mais para a criação de uma visão de mundo do que para o convencimento pontual sobre esses casos específicos.

“Esse é o caso mais lembrado de fake news sem pé, nem cabeça, mas que foi capaz de gerar um dano enorme. Existiam, naquela época, muitas publicações relacionadas a uma suposta sexualização infantil. As pessoas que estavam nesses grupos recebiam sem parar conteúdos que acusavam artistas e pensavam no ambiente escolar como depravado moralmente. A mamadeira pode ser um exemplo esdrúxulo, mas, quando se percebe que a pessoa, a todo momento, é tocada por esses conteúdos, ela pode não acreditar na mamadeira, mas isso não significa que não acredite no todo. A gente foca muito em um caso que pode ser esdrúxulo, mas a questão é a visão de mundo que está sendo construída cotidianamente.”

Entre as plataformas digitais usadas para disseminar desinformação, o WhatsApp destaca-se por ser a mais usada pelos brasileiros, diz o professor. Além disso, Piaia explica que a vida cotidiana das pessoas incorporou o uso dessa plataforma e, quando o conteúdo falso chega ao usuário, chega muitas vezes por meio de contatos pessoais e até familiares, aproveitando-se de redes de confiança.

“Não é um espaço público, é um espaço privado de informação. O conteúdo chega por meio de um parente, um conhecido, um amigo, alguém que você tem em grande estima. Essa informação tem uma capacidade grande de envolver as pessoas, seja para acreditar ou discordar”, detalha o pesquisador.

Diante dessa relevância, pesquisadores pensam estratégias para captar os movimentos na plataforma, mas o acesso é difícil por se tratar de aplicativo de mensagens privadas. O máximo que é possível para o monitoramento é se inscrever em grupos públicos e linhas de transmissão que são usadas para desinformar, diz Piaia.

“Não importa em quantos grupos você entre. Você pode entrar em 5 mil grupos ou em 40 mil grupos, e ainda não vai saber o que isso representa no todo. A gente tem falta de informação e clareza do total desse universo de mensagens, porque a plataforma não informa isso. A gente entende que é relevante – há todos os sinais de que é relevante – e consegue construir este quebra-cabeças, mas é difícil ter certeza e medir com precisão o que acontece ali dentro, até para pensar medidas que combatam o problema.”

Apesar de todas as plataformas adotarem estratégias para diminuir o alcance da desinformação, o sociólogo considera que as ações ainda são insuficientes diante dos impactos sociais causados pelas fake news que circulam dentro delas. “Se pesquisadores independentes não podem acessar e tentar entender aquele ecossistema e aquele universo para buscar problemas e soluções, ficamos reféns de uma avaliação interna das plataformas. Quando se observa uma plataforma fechando dados para pesquisa, ela está, de certa forma, contribuindo para a manutenção de todos esses problemas.”

Lucro e afeto

O professor de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) João Cezar de Castro Nunes cita o escritor Guimarães Rosa para explicar por que ainda é tão difícil encontrar uma solução para enfrentar a desinformação: “Estamos no meio do redemoinho”. Assim como os meios digitais de pagamento e transações financeiras mudaram a economia e exigiram regulação e modernização dos diversos órgãos de controle, João Cezar argumenta que as plataformas digitais mudaram de forma irreversível e profunda o debate político e as formas de interação social, só que sem ser acompanhadas de regulações capazes de garantir limites.

O pesquisador monitora as redes e discute os efeitos discursivos e sociais desse fluxo permanente de desinformação. João Nunes vê como caminho central a desmonetização desse conteúdo por parte das plataformas, mas considera impossível cessar completamente essa torrente, que é lucrativa.

“Precisamos começar a compreender que fake news é uma indústria. É produção em massa e é fonte de monetização. Para as plataformas, conteúdo radicalizador, agressivo e virulento vende mais que conteúdo didático ou sereno”, critica o professor. Ele destaca que produtores de fake news enriquecem e empreendem apostando na desinformação. “Fake news não é apenas ideologia, é uma forma de empreendedorismo. As fake news têm o aspecto ideológico, o impacto político, a produção do ódio, a exclusão do outro. Tudo isso está na essência das fake news. Mas um ponto negligenciado é que as fake news são uma fábrica de dinheiro, porque aumentam o engajamento, as visualizações, os likes, e isso se reverte em monetização.”

O pesquisador também defende a necessidade de deixar de encarar as fake news apenas como simples mentiras e explica que um elemento muito característico desse discurso é partir de um dado verdadeiro para construir um argumento falso. Esse dado muitas vezes é superdimensionado, pinçado de uma situação excepcional e tomado como universal, transformando-se em um risco iminente em toda parte. 

Exemplos dessa estratégia são os eventos adversos graves da vacinação, registrados em proporções raríssimas, porém explorados pelos antivacinistas. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, por exemplo, observou apenas 11 casos de miocardite entre as mais de 8 milhões de doses da vacina da Pfizer aplicadas em crianças com idade entre 5 e 11 anos, no início da vacinação contra a covid-19 nessa faixa etária. Nenhuma dessas crianças morreu e todas se recuperaram. Mesmo assim, a miocardite é frequentemente citada como um perigo da vacina em mensagens antivacinistas, que ignoram que a própria covid-19 causa o mesmo problema de saúde com uma frequência 16 vezes maior. 

“Uma notícia falsa não é uma mentira, é uma máquina narrativa cuja finalidade é produzir um afeto”, afirma João Cezar. “É uma produção de afeto com a retórica do ódio, para a monetização do medo. A extrema direita monetiza o pânico que ela mesma produz. Cria a demanda e oferece o produto. É um modelo de negócio perfeito”, afirma.

A produção de afeto e o fluxo permanente de desinformação, com o passar dos anos, construíram o que o pesquisador chama de dissonância cognitiva coletiva -- nome complexo que descreve um comportamento que muitos brasileiros testemunham em suas relações pessoais. Refugiando-se em conteúdos extremistas nas plataformas digitais, os consumidores fiéis de fake news têm suas crenças reforçadas a todo momento e ficam cada vez mais refratários ao contraditório e a fatos que invalidam suas ideias. O efeito disso é o compartilhamento de uma realidade paralela, completamente interpretada com a lente da desinformação. 

“A dissonância cognitiva é própria da condição humana. Nós evitamos informações que contrariam nossas crenças e procuramos informações que reforçam. Mas, com a revolução digital, a dissonância cognitiva não é mais individual. O que está acontecendo é mais grave. Essa disjunção que leva a uma realidade paralela deixou de ser de foro íntimo, porque hoje você está compartilhando aquela crença com milhões de pessoas. Hoje, no mundo inteiro, centenas de milhões de pessoas acreditam que um consórcio das farmacêuticas se reuniu para produzir o coronavírus, vender máscara e vacina”, alerta o pesquisador.

Essa crença coletiva se dá por meio de uma “dieta” rigorosa de fake news, explica João Cezar, já que a tecnologia hoje permite estar conectado 24 horas por dia, recebendo conteúdo de diversos grupos em diferentes plataformas.

“Eu tenho casos coletados de pessoas que participam de 15 grupos desse tipo no WhatsApp. Isso é uma dieta rigorosa de desinformação. Isso produz o delírio que vimos no Brasil. Em nenhum outro lugar do mundo a dissonância cognitiva levou até 40 mil pessoas durante dois meses para as portas de quartéis”.

Adoecimento

O consumo em massa de desinformação tem ocasionado também danos nas relações pessoais e até na saúde mental de quem recebe esses conteúdos -- e na de quem está em volta. Segundo o presidente do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Bicalho, o medo produzido pelo discurso de ódio é um assunto frequente nos consultórios, especialmente entre aqueles que são alvos da discriminação. 

“Isso tem produzido um adoecimento que é articulado a uma construção de medo. O que eu quero dizer é que as pessoas passam a sentir medo de existir. A população negra, a população indígena, a população LGBTQIA+ e as mulheres têm relatado medo em relação a sua própria existência. E, quando identificamos de onde vem esse medo, ele é produto da circulação de fake news.

O problema cresce porque, muitas vezes, o contato com esses conteúdos se dá no ambiente familiar, seja fisicamente ou em grupos de família nas plataformas digitais. Com isso, ocorre um desmantelamento das relações familiares, afirma Bicalho, dizendo que o medo gerado pela desinformação é fonte de uma produção em massa de processos ansiogênicos, que são causadores de quadros de ansiedade.

Já entre os consumidores de notícias falsas, o fluxo permanente de desinformação faz com que entrem em um quadro de descolamento da realidade, que, apesar de não ser uma psicose, se assemelha a elas, avalia o presidente do CFP. 

“Quando falamos de psicoses, elas nada mais são do que adoecimentos psíquicos que se constroem a partir de um descolamento da realidade, realidade essa que é produzida pelo próprio sujeito da psicose. Há uma aproximação em relação a isso. Quando alguém consome fake news e começa a aderir a uma realidade paralela, começa a viver um estado psicótico, mesmo não sendo uma psicose propriamente dita. Ele começa a produzir dissociações em relação ao real, e isso vai produzir efeitos muito diretos na sua vida. Na sua vida laboral, na sua vida em família e na sua vida como estudante, por exemplo”.

Para o psicólogo, o resgate de pessoas imersas em fake news depende de uma construção coletiva. “A gente não é capaz de acessar individualmente essas pessoas, precisa construir campanhas, falar mais sobre isso. É preciso dizer para as pessoas o que isso está produzindo na sociedade como um todo”, alerta ele, lembrando que, desde a pandemia, a busca por psicólogos cresceu 300% e ainda não baixou. Além das consequências da emergência sanitária, ele vê a circulação de fake news, o discurso de ódio e a radicalização política como causas dessa demanda. “O Brasil viveu uma pandemia no meio de um pandemônio político. Isso produz um adoecimento de uma ordem inimaginável.” 

O que dizem as plataformas

Internet Aplicativos de mensagem
A  Meta,  empresa  responsável  pelo  Facebook,  WhatsApp  e  Instagram,  diz  que  remove  das  plataformas  mensagens  com  conteúdo  prejudicial  à  saúde  -  Marcello  Casal Jr/Arquivo/Agência  Brasil

A Agência Brasil procurou a Meta, empresa responsável pelo Facebook, WhatsApp e Instagram, para ouvir o que é feito no combate à desinformação e na disponibilização de dados a pesquisadores independentes. Sobre o Facebook e o Instagram, a empresa informa que remove a desinformação prejudicial sobre saúde e quando há possibilidade de tal conteúdo contribuir diretamente para o risco de lesão corporal iminente e para interferência no funcionamento de processos políticos, além de "certas mídias manipuladas altamente enganosas".

"Para determinar o que constitui desinformação nessas categorias, firmamos parcerias com especialistas independentes que têm conhecimento e experiência para avaliar a veracidade de um conteúdo e se é provável que ele contribua diretamente para o risco de dano iminente", diz um texto produzido pelo centro de transparência da empresa. "Nos concentramos em reduzir a disseminação de boatos e a desinformação viral, além de direcionar usuários para informações oficiais", acrescenta.

Sobre o WhatsApp, a Meta informa que estabeleceu parcerias com agências de checagem independentes, que o aplicativo tem sido uma das poucas plataformas de mensagens a se aprimorar para conter a viralidade de publicações e que vê tendência de queda com as medidas adotadas. Segundo a Meta, quando o aplicativo introduziu limites adicionais para o envio de mensagens em abril de 2020, viu imediatamente uma redução de 70% na viralidade das mensagens. Em maio de 2022, um novo limite de encaminhamento de mensagens para grupos trouxe uma redução de cerca de 20% no número de mensagens encaminhadas com frequência.

"Vale lembrar que as conversas trocadas em grupos específicos, com desinformação, de modo algum representam as conversas dos usuários brasileiros, ou a forma pela qual o WhatsApp é majoritariamente utilizado no país", diz a Meta, que encoraja os usuários a denunciarem condutas inapropriadas na plataforma.

Já o Tik Tok diz que considera o trabalho dos pesquisadores importante para aprimorar os mecanismos de combate à desinformação. Sobre a pesquisa que aponta veiculação de vídeos com desinformação sobre vacinas, a rede afirma que suas diretrizes não permitem informações médicas enganosas que possam causar danos à saúde física. A rede afirma que atua para removê-las da plataforma quando as identifica e que a maior parte das remoções de conteúdo ocorre de forma proativa, isto é, antes que sejam denunciadas pelos usuários.

"Realizamos parcerias com especialistas para destacar o conteúdo confiável sobre temas relacionados à saúde pública e também com agências independentes de checagem de fatos que nos ajudam a avaliar a veracidade do conteúdo."

A Agência Brasil não conseguiu contato com o Telegram. Já o Twitter não tem representação de imprensa no Brasil desde as mudanças promovidas na empresa pelo proprietário da plataforma, Elon Musk. Ao entrar em contato com o e-mail global de imprensa da plataforma, a reportagem recebeu apenas a resposta automática com o emoji de fezes que tem sido enviada a todos os veículos de comunicação.

 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Algoritmo: a ferramenta que faz o internauta se sentir perseguido

Quem usa as redes sociais já deve ter se sentido perseguido por um assunto, uma propaganda ou até por sugestões de filmes para assistir.

O responsável tem nome: algoritmo. É ele quem diz ao mundo digital o que nos dizer. Trata-se de uma ferramenta matemática que percebe e reorganiza os conteúdos semelhantes aos acessados pelas pessoas.

De acordo com a pesquisadora do Centro de Estudos da Sociedade da Universidade e Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unesp) Jade Percassi, o algoritmo registra as informações dos internautas.

“Ele guarda os dados de acesso toda vez que a pessoa está logada, [dessa forma] ela está de alguma maneira veiculada a um perfil de acesso seja no Google, seja em outra plataforma, YouTube, Facebook ou Twitter”, explica.

Segundo Percassi, a ferramenta organiza o comportamento e entrega o conteúdo mais preciso e do interesse do usuário, como dicas de filmes e produtos. No entanto, os dados gerados nem sempre são individualizados e podem criar uma massa de informações chamada de Big Data.

“A máquina opera por inteligência artificial, mas tem pessoas que fazem a moderação, que podem gerar distorções na entrega do que vai ser acessado, e isso acontece por várias razões [diferentes]”, esclarece.

A variação da ferramenta pode ser econômica, quando empresas se favorecem das informações sobre o comportamento, perfil e renda para direcionar propagandas a determinados nichos de mercados. No campo das ideias, o que aparenta ser um lugar aberto, de debate público, plural e democrático, se torna cada vez mais segmentado com pessoas recebendo conteúdo parecido com aquilo que elas mesmas já pensam.

“As pessoas que têm um perfil ideológico mais de esquerda vão receber um reforço daquilo que elas pensam”, disse. “As pessoas com um comportamento identificado mais de direita, vão receber o reforço de ideias ou de perfis que correspondem aquilo que elas já pensam, aprofundando, potencializando uma polarização política da sociedade”, acrescentou.

Uso indevido

De acordo com a pesquisadora, o uso de forma indevida e a comercialização das informações podem levar a distorções maiores, como já foram desvendados no caso da Cambridge Analytica, acusada de vazar dados de 50 milhões de usuários do Facebook. As informações foram capturadas a partir de um aplicativo de teste psicológico. No Brasil, a pesquisadora citou a criação do “gabinete do ódio”, milícia digital antidemocrática disseminadora de fake news.

Jade Percassi também alerta para a existência de outras distorções reforçadas pelo comportamento algorítmico presentes na nossa sociedade. Entre eles, destacam-se padrões de beleza reforçados por conta do maior acesso a perfis de pessoas magras e brancas em relação aos de gordas e negras. Além de páginas nudez, levando também para a possibilidade de uma sexualização maior. “Tem todas essas ciladas colocadas e a gente não tem nenhum tipo de moderação”, diz.

A pesquisadora ressalta que as grandes empresas são as proprietárias das plataformas e que, apesar do acesso gratuito, informações pessoais têm valor.

“A gente não pode ter ilusões. Apesar do acesso ser gratuito, estamos entregando algo de muito valor, que são nossos dados”, disse. “Você não paga com dinheiro, mas com seus dados sobre quem você é e sobre o tipo de comportamento que você tem”.

Marco Civil da Internet

Nesta quarta-feira (29), o Supremo Tribunal Federal (STF) continua discussão sobre as regras do Marco Civil da Internet. O debate foi convocado pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores de ações que tratam da responsabilidade de provedores na remoção de conteúdos com desinformação, disseminação de discurso de ódio de forma extrajudicial, sem determinação expressa pela Justiça.

No primeiro dia de discussão, ministros da Corte e de Estado se revezaram na defesa da regulação das redes sociais, com algum grau de responsabilização das empresas que as ofertam ao público.

De outro lado, advogados de bigtechs como Google e Meta – donas de redes e aplicativos como YouTube, Instagram, Facebook e WhatsApp – contestaram a iniciativa, argumentando que isso não garantirá uma internet mais segura no Brasil. Eles defenderam que um ambiente digital mais saudável poderá ser alcançado com o aprimoramento da autorregulação já existente.

As discussões englobam também os projetos de lei que tramitam no Congresso para regular as redes sociais e a proteção da democracia no ambiente digital. Tais iniciativas, principalmente o chamado Projeto de Lei (PL) das Fake News, ganharam impulso após os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

 

Especialista alerta para importância de cuidados com a pele no outono

Depois do verão, com sol forte e calor, que exigem o uso de muito filtro solar, o outono surge trazendo temperaturas mais amenas mas, nem por isso, deve-se descuidar dos cuidados com a pele.

O alerta foi feito nesta segunda-feira (27) pelo presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio de Janeiro (SBDRJ), Antonio D’Acri. “No outono, a pele fica mais seca. As pessoas têm uma transpiração menor e a pele tende a ressecar”, afirmou, em entrevista à Agência Brasil.

Para manter a pele limpa e saudável nesta estação do ano, o dermatologista recomendou que é importante fazer uma limpeza mais delicada, sem exageros, evitando lavar o rosto mais de duas vezes por dia, porque isso pode ressecar ainda mais a pele. “Evitar banhos demorados e quentes”, orientou. O ideal são banhos com água fria ou morna, mais breves, que não demorem mais do que 15 minutos. “O cuidado começa no banho. Você tomando banhos mais rápidos, menos quentes, com sabonetes que não ressequem a pele, já é um passo importante. Você percebe isso porque tem gente que sai do banho já se coçando.”

Segundo ele, banhos com água quente podem ressecar a pele, e, com isso, favorecer o aparecimento de estrias, especialmente na adolescência e durante a gestação, além de provocar coceiras, geralmente nas pernas, do joelho para baixo, que podem ocasionar o surgimento de uma erisipela, irritando bastante a pele. "Não é aconselhável exagerar no banho quente”, aconselhou.

Hidratação

O presidente da SBDRJ indicou que a hidratação é importante no outono, não só no que se refere à ingestão de líquidos, mas ao uso de creme hidratante adequado ao tipo da pele, para rosto e corpo, evitando-se produtos gordurosos e com cheiros fortes. O ideal é escolher um hidratante que seja indicado para o tipo de pele de cada pessoa e usá-lo duas vezes ao dia, após lavar o rosto e o corpo. Antonio D’Acri salientou que o uso de hidratantes previne também doenças, como dermatoses. “É um bom investimento para a saúde o hidratante nos braços, nas pernas, após o banho.”

O protetor solar deve continuar sendo usado, em geral acima do fator de proteção 30, principalmente para aquelas pessoas que trabalham expostas ao sol ou que dirigem durante o dia por várias horas. “[É importante] evitar a exposição solar sem cuidados, principalmente no horário do meio-dia, de sol mais intenso”. D’Acri recomendou que é fundamental usar protetor solar no rosto e nas áreas expostas do corpo diariamente e, também, utilizar protetor labial porque, do mesmo modo que acontece com a pele de outras partes do corpo, os lábios podem sofrer muito com os efeitos do tempo seco.

Terceira idade

O presidente da SBDRJ alertou ainda que, na terceira idade, a hidratação adequada também é muito importante. “A pessoa na terceira idade começa a ter cada vez a pele mais seca e ela tende a coçar”. Por isso, deve-se evitar o uso de sabonetes que ressecam a pele, dando-se preferência àqueles com fórmulas hidratantes. “Sabonetes infantis têm bom resultado”, lembrou.

A partir da terceira idade, é recomendável uma ida por ano ao dermatologista para fazer avaliação dos sinais e manchas, se tem alguma ferida na pele. “Esses cuidados de você periodicamente visitar o geriatra ou o dermatologista para ver se há sinais ou manchas na pele diferentes são importantes para se evitar um câncer de pele.”

Antonio D’Acri salientou que os cuidados com a pele devem ser tomados desde a adolescência. “A gente sabe que a educação começa na adolescência, porque 80% do desgaste da pele pelo sol são até os 18 anos. Os cuidados de fotoproteção devem ser iniciados na adolescência, bem como a orientação e as boas práticas”. Por outro lado, as crianças devem ser orientadas a evitar exposição solar intensa nos dias mais quentes. E, mesmo no outono, a exposição ao sol entre 10h e 15h tem que ser vista com moderação, de preferência com o uso de filtro solar. 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Especialistas dizem que produzir trabalho decente no Brasil é desafio

Produzir trabalho decente no Brasil é desafiador, mas caminho necessário para o enfrentamento ao trabalho análogo ao escravo.

A avaliação é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil em meio a repercussões do grande número de casos de resgate de trabalhadores nessas condições nos últimos meses.

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT-AL) e coordenador regional de Combate ao Trabalho Escravo, Tiago Muniz Cavalcanti, o enfrentamento dessas situações se faz em duas vertentes: a repressiva e a preventiva.

“Quando falamos em prevenção, existem duas formas, a prevenção primária é quando o crime ainda não ocorreu. A secundária é quando o crime já ocorreu e precisamos acolher essa vítima, reverter os fatores de vulnerabilidade e reincluí-la no trabalho digno, para que não volte a ser novamente vítima do trabalho escravo. A vertente preventiva, tanto primária quanto secundária, é o nosso grande gargalo”, explicou.

Segundo ele, é dever do Estado implementar políticas públicas de acesso a direitos sociais, sobretudo trabalho decente, nas comunidades das vítimas em potencial. “O que fazemos diariamente, eu digo Estado, Ministério Público e sociedade civil que combate trabalho escravo, é tentar reverter todos os fatores de vulnerabilidade da população, para que tenhamos o mínimo de exploração. Ou seja, para que a exploração não seja aviltante a ponto de termos que resgatar aqueles trabalhadores de situações que chamamos atualmente de análogas à escrava porque a escravidão já não existe”, disse Cavalcanti.

Na mesma linha, a diretora executiva do Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), Marina Ferro, avalia que o período da pandemia de covid-19 levou ao aumento do desemprego e a oportunidades mais precarizadas de trabalho. “Combater o trabalho escravo é também produzir oportunidade e reduzir a desigualdade. Quanto mais você tem desigualdade social, mais fácil vai ficar de precarizar as situações, quanto mais você tira as pessoas da pobreza, da fome e gera oportunidades dignas, menos isso acontece”.

Para ela, a herança escravocrata no Brasil ainda é muito forte, pois com a abolição da escravidão não houve a inserção social de quem vivia nessa condição. “Por isso, continuamos um país muito desigual, que reproduz muita vulnerabilidade e que não trata o ser humano com dignidade, como um par”, afirmou.

As terceirizações, segundo Marina, também são fatores importantes para a precarização do trabalho. “É fator muito sensível para as empresas se anteciparem, prestar atenção e fazer a devida diligência na sua cadeia. Elas precisam olhar a cadeia produtiva, contratos com terceiros e não se eximir dessa responsabilidade. Então, acho que há um papel do Estado no combate ao trabalho escravo e um papel das empresas, que podem antecipar essa questão e evitar que isso aconteça”.

A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada ou submetida a jornadas exaustivas, ou ainda desenvolvida sob condições degradantes ou com restrição da locomoção do trabalhador. Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, por seu patrão.

Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o trabalhador tem seu deslocamento restrito pelo empregador, sob alegação de que deve liquidar determinada quantia de dinheiro.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado, alertou que, ao longo dos últimos anos, houve redução de orçamento e “redução drástica” do número de auditores fiscais do trabalho. Hoje, o país tem o menor número de auditores fiscais dos últimos 33 anos e cerca de 45% dos cargos estão vagos.

“Isso tem impacto direto no combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, na inserção de aprendizes no mercado de trabalho, na inserção de pessoas com deficiência, no combate a fraudes trabalhistas, que visam majoritariamente reduzir a remuneração de trabalhadores, e também a busca por ambiente de trabalho mais seguro, visando à redução de acidentes”, disse Machado. Ele destacou outras atribuições dos auditores que visam à criação de trabalho decente.

Na última semana, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, informou que pretende promover concurso para recompor o quadro de fiscais do trabalho.

Aumento de casos

O início de 2023 trouxe novamente à tona casos de trabalhadores em situações análogas à de escravidão. No Rio Grande do Sul, 207 trabalhadores enfrentavam condições de trabalho degradantes nas terras das vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. As empresas assinaram termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e se comprometeram a pagar R$ 7 milhões em indenizações.

Em Goiás e Minas Gerais, um grupo de 212 trabalhadores que prestava serviço a usinas de álcool e produtores de cana de açúcar foi resgatado, durante operação do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. Na última sexta-feira (24), mais pessoas foram resgatadas, dessa vez no festival de música Lollapalooza, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Em todos esses casos, os trabalhadores eram contratados por uma empresa de prestação de serviços terceirizados que intermediava a mão de obra.

Desde 1995, as fiscalizações e os resgates de trabalhadores são feitos pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenado por auditores fiscais do Trabalho, em parceria com o MPT, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições.

Os resgates vêm aumentando nos últimos anos. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), até o início de março as autoridades resgataram 523 vítimas de trabalho análogo ao escravo. Em 2022, conforme o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho, 2.575 trabalhadores foram encontrados em situação de escravidão contemporânea, um terço a mais que em 2021.

O MPT e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também desenvolveram o Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, com dados e informações sobre políticas de trabalho.

O procurador Tiago Cavalcanti destacou que, de acordo com a organização internacional Walk Free Foundation, em 2014 o Brasil tinha cerca de 150 mil pessoas escravizadas. “Os números mais recentes mostram que a gente tem 370 mil, ou seja, mais do que duplicou o número de pessoas escravas, pessoas que estão, na verdade, aguardando resgate”, disse ele, explicando que a média de resgates é de pouco mais de 2 mil trabalhadores por ano.

Precarização do trabalho

Para Cavalcanti, no mundo capitalista sempre existirá escravidão. “A escravidão, na sua accepção mais pura e fiel, que é a exploração aviltante do ser humano, ou seja, o uso e o descarte de seres humanos, é inerente à nossa sociedade”, afirmou, acrescentando que a solução para o problema passa por uma mudança cultural.

Adicionalmente, segundo ele, a agenda de políticas públicas dos governos que se sucederam após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff não favoreceram a população de baixa renda e aumentaram o nível de miserabilidade da população. Por isso, o número de pessoas que se submetem a qualquer trabalho aumentou vertiginosamente.

“Eu poderia citar inúmeros exemplos. Tivemos um estancamento da política de reforma agrária, um aumento da desigualdade social, o aumento das relações autoritárias de poder, ou seja, o coronelismo voltou com força muito maior. Tivemos uma precarização dos níveis de proteção social, ou seja, a legislação trabalhista foi flexibilizada, desregulamentada, a proteção social, da Previdência Social, ela foi flexibilizada. Tivemos o fenômeno da uberização (uso de aplicativos) das relações de trabalho de forma muito intensa, de certo modo fomentado, incentivado pelos últimos governos”, disse o procurador.

Para o secretário de Inspeção do Trabalho do MTE, Luiz Felipe Brandão de Mello, a narrativa do governo anterior, que defendia que “o importante é o trabalho e não só os direitos”, intensificou a precarização do emprego no Brasil. “Então, uma série de fatores juntos que levam a esse quadro. É inacreditável que em pleno 2023 estejamos discutindo o trabalho escravo no Brasil. Isso não é trabalho de uma instituição, mas preocupação que deve ser de toda a sociedade e ter grande mobilização”, destacou.

O presidente do Sinait, Bob Machado, concorda que, associada à cultura da escravatura, a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita promovida pelos últimos governos reduziram as condições de trabalho decente. “Nós vivemos um período muito grande de contraposição entre o trabalho e os direitos, o que é direito, o que é emprego. E nesse sentido alguns interpretaram de maneira extrema, reduzindo os trabalhadores à condição análoga de escravos”, observou.

Cadeia produtiva

Segundo Marina Ferro, do InPacto, o setor produtivo precisa de práticas políticas para a prevenção de trabalho escravo nas cadeiras, dedicar recursos e esforços constantes na identificação de riscos. “As empresas precisam se comprometer com a causa e criar procedimentos, ter estrutura interna, ter gestão de riscos sobre aqueles possíveis e até os potenciais que possa vir a ter numa cadeira produtiva.A partir desse mapeamento de riscos inerente a cada setor, você consegue então dedicar esforços, ações para evitar que eles aconteçam”, disse.

O Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto) é apoiado por grandes empresas do país e é uma das respostas institucionais do setor privado do Brasil ao problema. Ele atua na busca de soluções para as cadeias produtivas globais, na prevenção ao trabalho escravo, envolvendo diversos atores e organizações sociais.

Uma das ferramentas criadas pelo instituto é o Índice de Vulnerabilidade InPacto, que permite estabelecer uma escala de risco de trabalho escravo no país, para que as empresas se antecipem na promoção do trabalho decente em seus locais de produção.

“Está ficando cada vez mais claro também, não só pela nossa legislação, mas também para quem exporta, por exemplo, para a União Europeia, há uma legislação de fora que está cada vez mais colocando a questão da devida diligência como algo essencial para os setores produtivos. Então, cada vez mais, as empresas vão ser cobradas pela responsabilidade de fiscalizar toda a sua cadeia, então não vai ter como dizer ‘contratei de um terceiro, não tenho responsabilidade'. O ‘eu não sabia’ não vai mais rolar, a empresa do futuro precisa se precaver”, afirmou Marina.

O agronegócio é o setor econômico mais frequentemente envolvido em casos de trabalho análogo ao escravo. De 1995 a 2022, das 57.772 pessoas resgatadas dessa situação, 29% atuavam na criação de bovinos, 14% no cultivo de cana-de-açúcar e 7% na produção florestal.

Para a especialista, a transformação do agro no Brasil está atrelada à sua produtividade. “Há setores que já demonstram uma mudança, tanto no sentido de trazer a renda para o produtor, mas também de dar boas condições de trabalho. Então, acho que que é preciso uma transformação cultural, principalmente na forma de pensar essa produção, mas também de oferecer condições. Com essa legislação cada vez mais forte, tanto nacional quanto internacional, a questão reputacional, se as empresas não começarem a se antecipar e se adequar, lá na frente a conta chega”.

O procurador do Trabalho, Tiago Cavalcanti, explica que nem todos os beneficiários do trabalho escravo podem ter o dolo (a má-fé) de escravizar, mas a culpa eles têm. “É muito fácil saber que as condições de execução do trabalho são precárias na medida em que o pagamento é muito baixo, à medida que você não tem uma fiscalização correta. As empresas que estão na ponta da cadeia, ou seja, empresas poderosas economicamente, a partir do momento em que elas subcontratam e fecham os olhos, passam a ser responsáveis por aquilo que ocorre na sua cadeia produtiva, principalmente quando a produção ocorre na sua propriedade”, disse, citando como exemplo o caso das vinícolas no Rio Grande do Sul.

Cavalcanti chama de “cegueira deliberada” essa atitude dos setores produtivos. “A identificação é óbvia. Ou seja, é uma cegueira proposital, ela [a empresa] fecha os olhos, finge que não conhece aquela realidade, quando na verdade ela tem todos os elementos para saber que aquilo existe de fato”, explicou.

Instrumentos de repressão

Na vertente da repressão, do combate ao trabalho escravo, o procurador avalia que o Brasil, “até certo ponto”, é modelo em âmbito internacional. “Temos alguns instrumentos importantes, como o Grupo Móvel que deflagra a força tarefa de combate ao trabalho escravo, a lista suja, existem órgãos que lidam de forma boa em relação à repressão, do ponto de vista administrativo, trabalhista e criminal”. Ele lembrou que, recentemente, a Justiça reconheceu a imprescritibilidade do crime trabalho escravo.

Cavalcanti confia que, com o novo governo, “teoricamente mais compromissado com a política de direitos humanos”, esses instrumentos sejam preservados. O procurador contou que a estrutura de combate a esse crime esteve ameaçada, mas conseguiu resistir durante o período pós-impeachment graças à mobilização dos órgãos públicos fiscalizadores e da sociedade civil organizada.

Segundo o procurador, a última grande medida de combate ao trabalho escravo é do governo Dilma, a emenda constitucional que alterou o Artigo 243 da Constituição Federal para prever a expropriação de terra daqueles que escravizam. “É importante ressaltar que não veio o governo do nada e criou esses instrumentos. Temos esses instrumentos porque o Brasil foi demandado em âmbito internacional para que fizesse alguma coisa em face do trabalho escravo”, destacou.

A lista suja do trabalho escravo é o cadastro de empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho por submeter seus empregados a condições análogas à escravidão. A inclusão do nome do infrator na lista só ocorre após decisão administrativa final. Ela é publicada a cada seis meses e a última foi em outubro do ano passado.

Segundo Marina Ferro, um dos compromissos dentro do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo é que as empresas usem a lista suja para não fazer acordos comerciais com empresas que estejam lá. “Então, a lista suja se tornou um super instrumento para que as empresas conhecessem quem estivesse utilizando mão de obra análoga à escrava e impusessem restrições comerciais a essas pessoas jurídicas. É ferramenta de demonstração. Nenhuma empresa quer estar lá, porque além de ter a consequência monetária, também tem a reputacional. Depois é complicado para as empresas reconstruir”, explicou.

Segundo o secretário de Inspeção do Trabalho do MTE, Luiz Felipe Brandão de Mello, o objetivo do governo é fortalecer a fiscalização para identificar e coibir a exploração criminosa da mão de obra no país. “Temos que fazer uma avaliação, na verdade, para ver realmente o que está acontecendo para essa explosão do número de casos. Em cima disso, teremos que fazer análise para ver haverá redirecionamento das ações. Diferentemente do que já foi, no passado, que era muito concentrado numa determinada região do país, agora está ocorrendo em todas as áreas, então temos que ver como atuar”.

Na última semana, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, também defendeu a revisão de normas de terceirização trabalhista.

Para o presidente do Sinait, Bob Machado, a revisão da reforma trabalhista e da política de terceirização precisa ser feita no âmbito do Congresso Nacional, de maneira ampla, em debate com as entidades da sociedade civil. “Para que possa, a partir daí, resultar em alterações na legislação que visem prioritariamente proteger os trabalhadores, garantir trabalho digno para todos”, destacou.

Canais de denúncias

As denúncias de trabalho análogo ao escravo podem ser feitas pela população, de forma anônima, por meio de canais como o Disque 100, o site do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Sistema Ipê, da Auditoria Fiscal do Trabalho.

O procurador do Trabalho, Tiago Cavalcanti, alerta que as denúncias precisam ser fortes e com o máximo de informações possíveis, que levem ao resgate de trabalhadores. Segundo ele, as diligências envolvem diversos órgãos e têm um custo para o Estado.

“Às vezes, as denúncias que chegam são frágeis, ou seja, não têm a localização exata, a identificação do empregador, não diz quais são os fatos que ensejam trabalho escravo, ou seja, o trabalhador tá sem comida, tá dormindo no curral com a vaca, enfim, os fatos que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo”, exemplificou. “Então, só fazemos esse tipo de diligência quando a denúncia, de fato, é mais sólida, no sentido de que acreditamos que vai resgatar trabalhadores”, explicou.

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Excesso de telas entre jovens pode causar dores e puberdade precoce

O uso prolongado de telas é um dos fatores de risco para a saúde da coluna, mostra estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)  e publicado na revista científica Healthcare

Entre os fatores de risco está o uso de telas por mais de três horas por dia, a pouca distância entre o equipamento eletrônico e os olhos, a utilização na posição deitada de prono (de barriga para baixo) e na posição sentada. O foco do estudo foi a chamada dor no meio das costas (thoracic back pain, ou TSP). 

Foram avaliados 1.628 estudantes de ambos os sexos entre 14 e 18 anos de idade, matriculados no primeiro e segundo ano do ensino médio no período diurno, na área urbana do município de Bauru (SP), que responderam a questionário entre março e junho de 2017. 

Desses, 1.393 foram reavaliados em 2018. A pesquisa constatou que de todos os participantes, a prevalência de um ano foi de 38,4%, o que significa que os adolescentes relataram TSP tanto em 2017 quanto em 2018. A incidência em um ano foi de 10,1%; ou seja, não notificaram TSP em 2017, mas foram encaminhados como casos novos em 2018. As dores na coluna ocorrem mais nas meninas do que nos meninos.

“A diferença entre os sexos pode ser explicada pelo fato de as mulheres relatarem e procurarem mais apoio para dores músculo-esqueléticas, estarem mais expostas a fatores físicos, psicossociais e de stress, terem menos força do que os homens, apresentarem alterações hormonais resultantes da puberdade e baixos níveis de atividade física”, diz um dos autores do artigo, Alberto de Vitta, doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com pós-doutorado em saúde pública pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu.

Pandemia 

TSP é comum em diferentes grupos etários na população mundial. Estima-se que afete de 15% a 35% dos adultos e de 13% a 35% de crianças e adolescentes. Com a pandemia do covid-19, crianças e adolescentes têm usado celulares, tablets e computadores por um tempo maior, seja para atividades escolares ou para o lazer. Com isso, é comum adotarem posturas inadequadas por tempo prolongado, causando dores na coluna vertebral.

O tempo gasto com dispositivos eletrônicos (por exemplo ver televisão, jogar videogames, utilizar o computador e smartphones, incluindo comunicações electrônicas, e-games, e internet) pode ser classificado da seguinte forma: baixo (menos de 3 horas/dia), médio (acima de 3 horas/dia até 7 horas/dia) e alto (acima de 7 horas/dia), considera o pesquisador.

Segundo De Vitta, é possível que a incidência da TSP tenha aumentado com a pandemia, mas ainda não há estudos. “Podemos supor que aumentou, devido à atividade escolar em casa, no entanto não há dados sobre isso. Estamos organizando um estudo multicêntrico que será realizado em cidades de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e do Rio Grande do Sul”, informou o pesquisador, que atualmente leciona e pesquisa no Departamento de Fisioterapia da Faculdade Eduvale de Avaré (SP) e no programa de pós-graduação em Educação, Conhecimento e Sociedade da Universidade do Vale do Sapucaí (Pouso Alegre, MG).

Fatores

A TSP tem tratamento, diz o professor. “Há vários tipos de tratamentos como, por exemplo, a reeducação postural global, o pilates e a fisioterapia baseada em recursos eletrotermofototerapêuticos: ultrasom, laser, entre outros”. 

Fatores de risco físicos, fisiológicos, psicológicos e comportamentais ou uma combinação deles podem estar associados à TSP. “As dores musculoesqueléticas, como na coluna torácica, lombar e cervical, são multidimensionais”, explica o pesquisador. 

“Os fatores físicos (carteiras inadequadas, mochilas com peso acima do recomendado e outros), comportamentais (utilizar os equipamentos eletrônicos acima de três horas por dia, posturas inadequadas) e os fatores de saúde mental (sintomas emocionais, stress etc) estão associados a essas dores”.

A conjugação de físicos e comportamentais gera um aumento da força de compressão dos discos intervertebrais, levando à desnutrição dos discos, comprometendo a integridade do sistema músculo-esquelético, predispondo o indivíduo à fadiga e a níveis de dor mais elevados.

“Parece haver uma relação entre sintomas emocionais e manifestações físicas, como o aumento da secreção do cortisol hormonal e alterações na regulação hormonal do glândulas supra-renais, que geram efeitos inibidores sobre o sistema imunitário, a digestão e sintomas de desgaste corporal excessivo, cansaço, fadiga, dores musculares e articulares. Todos esses fatores estiveram relacionados aos dados das nossas pesquisas relacionadas às dores lombares, cervicais e torácicas em estudantes do ensino médio”.

Puberdade precoce

A puberdade é um estado natural do corpo humano que, por consequência de alterações hormonais, tende a se apresentar a partir dos 8 anos de idade em meninas e 9 anos em meninos

Entretanto, as crianças estão entrando nessa fase cada vez mais cedo. Ganho de peso, consumo excessivo de alimentos ultraprocessados e sedentarismo estão entre as principais causas. Mas, outro fator tem chamado a atenção dos pesquisadores.

De acordo com o resultado de uma pesquisa apresentada durante a 60ª Reunião Anual da Sociedade Europeia de Endocrinologia Pediátrica, a puberdade precoce pode estar sendo estimulada pela alta exposição às telas, como tablets e celulares.

“Estudos mostram que a luz azul das telas diminui a produção de melatonina, hormônio relacionado ao ciclo do sono. A menor produção de melatonina pode ser um sinal para o corpo de que já está na hora de entrar na puberdade. Além disso, o ganho de peso e a ansiedade que podem estar associados ao excesso no uso de telas também alteram a produção de determinados hormônios como a leptina e a serotonina, que podem ocasionar a puberdade de forma precoce”, explica a endocrinopediatra do Sabará Hospital Infantil, Paula Baccarini.

A especialista afirma que, devido ao isolamento durante o período pandêmico, as crianças passaram a se alimentar de forma menos saudável, gerando outros efeitos colaterais que também alteram os hormônios: “O estresse e a ansiedade também são fatores que podem adiantar o início da puberdade, somados ao sedentarismo, à piora do padrão alimentar e ao ganho de peso”, acrescenta.  

Rotina

O ideal é que a criança mantenha uma rotina com hábitos saudáveis de vida, com atividade física, sono adequado e alimentação natural, com consumo reduzido de produtos industrializados, o que naturalmente já reduz o tempo livre para uso de telas, aconselha a médica. “É importante lembrar que a criança aprende com o exemplo dos pais. Então, é fundamental que o controle do tempo de tela seja de toda a família e não apenas da criança,” completa. 

Outras atividades podem ajudar a dimunuir esse tempo. “Criar rotinas como hábito de leitura, brincadeiras recreativas, jogos de tabuleiro, desenho, quebra-cabeças. Além disso, usar o fim de semana para reunir a família fora de casa, se possível em contato com o sol e a natureza podem ajudar”, sugere a endocrinopediatra.

Caso os pais identifiquem sinais de puberdade precoce - como aparecimento do broto mamário, desenvolvimento de pelos pubianos, crescimento acelerado, acne, eles devem procurar um endocrinologista pediátrico para fazer o diagnóstico, identificar a causa e avaliar a necessidade de tratamento.

“O tratamento é indicado nos casos em que a puberdade ocorre precocemente ou evolui em ritmo muito acelerado, com risco de a primeira menstruação acontecer cedo ou de ocorrer parada do crescimento antes da idade prevista, com perspectiva da criança crescer menos do que a previsão genética. Consiste em um tratamento hormonal que bloqueia a produção desses hormônios associados ao desenvolvimento da puberdade”, explica a especialista.

Uma vez iniciada a puberdade, não há como reverter o quadro, apenas tratar com o bloqueio puberal quando indicado, aponta a médica. “Por isso, a importância do estabelecimento de hábitos saudáveis de vida durante a infância, como forma de tentar reduzir o risco de a puberdade ocorrer precocemente. Importante dizer que essas mudanças do hábito de vida também estão relacionadas à diminuição de outras condições, como a obesidade”. 

É considerada precoce a puberdade que surge antes dos 8 anos em meninas e dos 9 anos em meninos; e atrasada, a puberdade que tem início após os 13 anos em meninas e após os 14 anos, em meninos. 

A médica considera o risco de adiantamento da menstruação e da parada precoce do crescimento, com prejuízo da altura final da criança, além dos riscos psicossociais associados à puberdade precoce. Se necessário, indicará tratamento para bloquear, por um tempo, o desenvolvimento puberal. 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

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