Oftalmologistas alertam para risco de suplementos com promessa de cura

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu na segunda-feira (7) a fabricação, distribuição, venda, promoção e o uso de suplementos alimentares que alegavam, em sua publicidade, serem capazes de tratar doenças oculares como catarata, glaucoma e degeneração macular.

Em nota, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) reforçou o alerta para os riscos da comercialização de tais produtos com a promessa de cura.

O conselho chegou a receber diversos comunicados de seus associados sobre a venda de suplementos alimentares com a promessa de cura e tratamento de doenças oculares. Nas propagandas, os responsáveis pelos produtos alegavam que a ingestão dessas substâncias teria como efeito a melhora da visão de perto e longe, da visão embaçada e da pressão ocular e da catarata, além de prevenir o surgimento e o agravamento de problemas de visão.

“A decisão da Anvisa é uma vitória importante, pois protege a população de propagandas enganosas e, principalmente, dos potenciais efeitos colaterais e da ineficácia de produtos que não auxiliarão no tratamento de doenças oculares”, avaliou, em nota, o presidente do conselho, Cristiano Caixeta Umbelino.

Propaganda enganosa

Em comunicado, a Anvisa alerta quanto às propagandas de produtos “com promessas milagrosas”, veiculadas na internet e em outros meios de comunicação, que prometem prevenir, tratar e curar doenças e agravos à saúde, além de melhorar problemas estéticos. “Muitas vezes, esses produtos são vendidos como suplementos alimentares, ou seja, alimentos fontes de nutrientes e outras substâncias bioativas, para os quais não há nenhuma comprovação junto à agência de ação terapêutica ou estética.”

“A Anvisa não aprovou nenhuma alegação desse tipo para suplementos alimentares e a legislação sanitária proíbe expressamente que alimentos façam alegações de tratamento, cura, prevenção de doenças e agravos à saúde. Dessa forma, qualquer propaganda de suplementos alimentares que contenha esse tipo de alegação é irregular.”

Orientações ao consumidor

A agência recomenda que o consumidor não compre nem utilize suplementos alimentares que prometam agir nas situações listadas a seguir:   

- Emagrecimento; 

- Aumento da musculatura;  

- Diminuição de rugas, celulite, estrias, flacidez;  

- Melhora das funções sexuais;  

- Aumento da fertilidade, melhora ou alívio de sintomas relacionados à tensão pré-menstrual, menopausa;  

- Aumento da atenção e foco;  

- Doenças degenerativas, como mal de Alzheimer, demência, doença de Parkinson;  

- Câncer; 

- Problemas de aumento da próstata e disfunção urinária; 

- Problemas de visão;  

- Doenças do coração, pressão alta, colesterol e triglicerídeos sanguíneos elevados;  

- Melhora da glicose sanguínea, diabetes e níveis de insulina;  

- Problemas gastrointestinais, como gastrite, má digestão;  

- Gripe, resfriado, covid-19, pneumonia;  

- Labirintite, zumbido no ouvido (tinitus);  

- Distúrbios do sono, insônia.

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Mulheres, pessoas trans e desempregados têm saúde mental mais abalada

Um índice inédito, que vai medir a saúde mental dos brasileiros, identificou, em sua primeira edição, lançada nesta sexta-feira (4), que a sanidade mental é mais atingida em mulheres, pessoas trans, jovens e entre os desempregados.

“Esses foram alguns dos destaques dos indicadores associados com taxas demográficas e hábitos de vida”, disse à Agência Brasil a gerente executiva do Instituto Cactus, Luciana Barrancos.

O Índice Instituto Cactus - Atlas de Saúde Mental (iCASM) investiga diferentes aspectos, hábitos e situações que refletem a saúde mental dos brasileiros pelos lados positivo e negativo. Os fatores que apresentaram maior associação com a saúde mental dos entrevistados foram gênero, orientação sexual, renda, situação profissional, relações familiares e prática de esportes.

Foram realizadas pesquisas, com base em questionários usados internacionalmente, com 2.248 pessoas, de 746 municípios de todas as regiões do país, nos meses de janeiro e fevereiro deste ano. Luciana Barrancos explicou que o 1º iCASM vale para o primeiro semestre deste ano. Em setembro e outubro, o Instituto Cactus fará coleta de informações referentes ao segundo semestre do ano, visando a divulgação das respostas em dezembro.

“A ideia é que o índice se repita semestralmente, para a gente ter essa série histórica da saúde mental e poder, de fato, comparar ao longo do tempo, acompanhar a evolução e, também entre os grupos, como se manifestam essas diferenças”. O intuito do Instituto Cactus é que o índice sirva como referência de dados sobre saúde mental para a sociedade como um todo, gestores públicos, pesquisadores, e para a formulação de políticas públicas.

Módulos

O iCASM é uma ferramenta que mede de zero a mil pontos. Nesta primeira edição, ele ficou em 635 pontos. As respostas foram divididas em três áreas: confiança, foco e vitalidade. Elas consideram confiança como autoestima e autoconfiança sobre o papel da pessoa na sociedade; foco como a habilidade de relacionamento com seu entorno de forma produtiva para tomar decisões e realizar atividades do dia a dia; e vitalidade englobando disposição e capacidade para superar desafios. “Com base nisso, a gente criou esse indicador que é um parâmetro que vai de zero a mil”, explicou a gerente executiva. O indicador para confiança atingiu 733 pontos, enquanto os de vitalidade e foco obtiveram, respectivamente, 637 e 535 pontos.

A pesquisa foi composta por um módulo fixo e um módulo variável. O módulo fixo se baseia em dois questionários internacionalmente validados, que são o Questionário de Saúde Geral (QSG-12, ou GHQ-12, do inglês General Health Questionnaire’) e o Teste Online de Depressão PHQ-9 (Patient Health Questionnaire-9). Já o módulo variável terá o tema substituído a cada coleta. A ideia é conseguir investigar e aprofundar questões de interesse. Para o primeiro iCASM, o tema escolhido para o módulo variável foram o uso e acesso a serviço mental no Brasil.

“Nesse tema, a gente conseguiu ver que somente 5% dos brasileiros fazem psicoterapia, o que representa um terço dos que relataram fazer uso de medicação. Outros 62,5% disseram não fazer uso de serviços de apoio à saúde mental, enquanto 20,9% utilizam serviços privados e 16,6% usam serviços públicos”. Por outro lado, 41% disseram estar insatisfeitos com serviços de saúde de modo geral, contra 30% que se declararam satisfeitos ou muito satisfeitos.

Parcela de 16,6% da população relatou tomar medicação de uso contínuo para problemas emocionais, comportamentais ou relacionados ao uso de substâncias, sendo que a grande maioria (77%) vem fazendo uso desses remédios há mais de um ano. Além do tratamento médico ou psicológico, 11,9% da população afirmaram fazer algum outro tipo de terapia, como, por exemplo, meditação, ioga, fitoterapia, massagem.

Finanças e gênero

Segundo expôs Luciana Barrancos, a condição financeira é motivo de grande inquietude para os brasileiros. Nove em cada dez consultados relataram ter se preocupado com essa questão muitas vezes ao longo das duas últimas semanas. Os que se preocuparam três vezes ou mais somaram 58% dos respondentes, contra 30% que se preocuparam uma ou duas vezes, e 12% que não se preocuparam nenhuma vez.

Entre as pessoas desempregadas, o índice foi de 494 pontos, 186 pontos abaixo dos assalariados (680) e 141 pontos abaixo da média populacional. Em termos de renda, as pessoas com menor renda, de até R$ 2 mil, marcaram 576 pontos, contra 737 pontos daquelas com renda acima de R$ 10 mil.

Um relação a gênero e identidade de gênero, o iCASM revela que as mulheres e as pessoas trans detêm as pontuações mais baixas. As mulheres obtiveram iCASM de 600 pontos, 72 pontos abaixo do iCASM para homens (672 pontos) e 35 pontos abaixo da média populacional. Para a população trans, o iCASM foi de 445, 193 pontos abaixo dos Cisgêneros (638) e 190 pontos abaixo da média populacional. Aqueles que se declararam heterossexuais atingiram 665 pontos, contra 576 pontos do grupo que se identifica como homossexual. Para os bissexuais, a média foi de 488 pontos.

O iCASM aponta que os mais jovens, entre 16 e 24 anos de idade, apresentam a pontuação mais baixa de sanidade mental: 534 pontos, enquanto nos mais velhos, de 60 a 100 anos, a pontuação é mais elevada: 757 pontos.

Relações sociais

O Instituto Cactus apurou também o que acontece em relações sociais, envolvendo encontros com amigos e brigas com familiares. “Foram perguntas que revelaram resultados importantes”, disse a gerente executiva. Os entrevistados que não relataram brigas com familiares nas últimas duas semanas apresentaram iCASM de 715 pontos, contra 370 entre aqueles que reportaram três ou mais episódios de brigas nesse período. Sobre encontros com amigos, a pesquisa indicou que aqueles que se encontraram com amigos três ou mais vezes nas últimas duas semanas alcançaram iCASM de 734 pontos. Já entre aqueles que não tiveram encontros com amigos em igual período, o iCASM foi de 508 pontos.

Luciana destacou também questões de autoestima, que tiveram resultados mais baixos, quando as perguntas abordavam se a pessoa se sentia feia e pouco atraente: o iCASM foi de 384 pontos, contra 776 para aqueles que não tinham esse sentimento. Entre os que se julgavam pouco inteligentes, o iCASM ficou em 326 pontos, contra 752 daqueles que não tinham essa preocupação. Entre os consultados que reportaram ter sofrido bullying três vezes ou mais nas últimas semanas, o indicador alcançou 486 pontos, contra 659 para aqueles que não relataram nenhum episódio.

O Instituto Cactus constatou também que a prática de esportes está associada a um índice de saúde mental mais alto. O iCASM de quem se exercita três ou mais vezes na semana atingiu 722, enquanto o grupo que não pratica atividade física teve índice de 580.

Do total de entrevistados, 68% relataram se sentir cansados ou com pouca energia para fazer as atividades diárias, abrangendo 58% das mulheres e 69% das pessoas trans. “Também é um número bem relevante que chama a atenção”, comentou Luciana. Outros 54% afirmaram sentir pouco prazer ou interesse em fazer as coisas no cotidiano. Já 49% afirmaram não se sentir deprimidos, ao passo que 51% responderam de forma afirmativa.

Quinze por cento dos brasileiros revelaram ter consumido álcool três vezes ou mais nas últimas duas semanas, sendo que 40% dos entrevistados confessaram ter sentido necessidade de reduzir o consumo de bebidas alcoólicas ou mesmo parar de beber; já 16% consumiram cigarros no mesmo período.

O iCASM é uma iniciativa do Instituto Cactus, entidade filantrópica de direitos humanos que se dedica à promoção da saúde mental no Brasil, em parceria com a AtlasIntel, empresa especializada em pesquisas e inteligência. O estudo contou com a supervisão de um comitê científico independente e a aprovação de um comitê de ética.

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Genética e inflamação na gravidez explicam lábio leporino

Estudo realizado em animais conseguiu demonstrar, pela primeira vez, como a interação gene-ambiente durante o desenvolvimento craniofacial do embrião pode dar origem à fissura labiopalatina. 

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com a University College London, do Reino Unido, conseguiram comprovar em modelo animal que a fenda lábio palatina, também conhecida como lábio leporino, ocorre como resultado da associação de dois eventos: um genético e outro provocado por inflamações durante a gravidez, no período de formação e desenvolvimento do embrião.

No Brasil, estima-se que essa malformação afeta uma criança em cada 650 nascimentos. Neste sábado,  24 de junho, é celebrado o Dia Nacional de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina, data marcada para informar sobre o problema e contribuir para a redução do preconceito.

Os pesquisadores acompanham famílias com casos de lábio leporino há anos e havia a suspeita de que para que ocorresse a malformação seria necessário um componente ambiental, além do genético, explica a pesquisadora do CEGH-CEL, Maria Rita Passos-Bueno, que coordenou a pesquisa publicada na Nature Communications.

“Ao fazer o sequenciamento genético dessas pessoas, vimos que, apesar de muitas delas terem a mutação no gene CDH1, uma parcela importante não apresentava a malformação. Faltava uma peça que explicasse por completo o que levava à ocorrência do lábio leporino”.

O gene CDH1 (que codifica a proteína E-caderina) é um dos exemplos em que uma mutação em um de seus alelos pode levar a ocorrência de lábio leporino e também a um tipo de câncer gástrico. 

“Vários estudos sugerem um padrão de herança multifatorial, que depende da interação de fatores ambientais e genéticos. Além disso, temos o conhecimento da interação/exposição a bactéria/inflamação e um determinado tipo de câncer gástrico associado a variante em CDH1. Por isso, resolvemos investir em busca de fatores ambientais. Escolhemos inflamação em função dos dados da literatura já associados às fissuras”.       

Mutação

A mutação interfere no processo de migração de células das cristas neurais, aquelas que são presentes no desenvolvimento do embrião e que se diferenciam para a formação de ossos, cartilagem, tecido conectivo da face, entre outros tipos celulares. Com o comprometimento da migração das cristas neurais durante o desenvolvimento embrionário, o processo de diferenciação é prejudicado, podendo causar o lábio leporino.

No entanto, como ressalta Passos-Bueno, essa variante sozinha não conseguia explicar completamente a questão hereditária do lábio leporino. "Quando há falta nos dois alelos de CDH1, o embrião morre. Já quando um alelo é normal e o outro mutável, é compatível com a vida e na maioria dos casos não há malformação", afirma Passos-Bueno.

Os pesquisadores passaram a investigar algum fator ambiental que pudesse contribuir com o processo. "Dados da população de pessoas com lábio leporino mostram que obesidade, diabetes e outras situações que são pró inflamatórias, como infecção materna (episódios de febre durante a gestação) são fatores de risco para a criança nascer com fissuras. Os resultados do estudo mostraram que moléculas inflamatórias, denominadas citocinas, induzem uma hipermetilação do gene CDH1", diz Passos-Bueno.

No caso da fissura labiopalatina, ocorreu a epigenética, ou seja, modificações bioquímicas nas células ocasionadas por estímulos ambientais (no caso a inflamação) que promovem a ativação ou o silenciamento de genes, sem provocar mudanças no genoma do indivíduo.

A metilação é uma modificação bioquímica que consiste na adição de um grupo metil à molécula do DNA por meio da ação de enzimas. Trata-se de um processo natural e necessário para o funcionamento do organismo, pelo qual a expressão dos genes é modulada. No entanto, quando desregulado, como no caso da hipermetilação do CDH1, pode provocar disfunções nas células e contribuir para o desenvolvimento de doenças e malformações.

No entanto, a pesquisa não pode mostrar quais tipos de inflamação, associadas à mutação, podem levar à malformação. “Não temos ainda claro quais são essas inflamações. Mas é importante ficar claro que um fator de risco ambiental sozinho não vai levar a fissura labial”, esclarece a pesquisadora.    

Experimento

No estudo, além dos testes in vitro realizados em células humanas, os pesquisadores fizeram experimentos em camundongo e rãs para provar que a inflamação estava provocando hipermetilação no gene CDH1. As células e os embriões de camundongos e rãs foram expostas a fatores ambientais, por meio de partículas de bactérias que produzem a inflamação. 

Depois, as fêmeas com cópias normais do gene também foram expostas à inflamação. Quando fêmeas com uma cópia mutada do gene foram expostas à inflamação, os pesquisadores observaram que a prole tinha defeitos na migração da crista neural, o que pode explicar o aparecimento da fissura. 

A pesquisa pretende, futuramente, identificar quais as inflamações, combinadas com a variante CDH1, podem levar à malformação. “Pretendemos investigar essa questão. A identificação de fatores que ativam a inflamação materna será importante para o estabelecimento de medidas preventivas para a fissura labio-palatina”, concluiu Passos-Bueno. 

O estudo foi realizado no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um dos centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - e o artigo Neural crest E-cadherin loss drives cleft lip/palate by epigenetic modulation via pro-inflammatory gene–environment interaction  foi publicado na revista Nature Communications

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, mostram entidades

Ele insistiu, perturbou, implorou. Elvis Magalhães, de 21 anos, não iria desistir. Estava internado no Hospital Universitário de Brasília (HUB), por causa da anemia falciforme, e não deixou em paz a médica até que ela permitisse que ele fosse para o show da banda favorita, a Legião Urbana, naquele 18 de junho de 1988 (há 35 anos), no Estádio Mané Garrincha, com cerca de 50 mil pessoas.

Mas a apresentação terminou em confusão e antes do tempo previsto. O jovem goiano radicado em Brasília, e com nome de astro do rock, saiu encolhido. Teve medo. Além da situação, sentia as dores no corpo causadas pela doença. Mas não se arrepende. "Nem foi tempo perdido. Somos tão jovens", cantou Renato Russo para alegria de Elvis.

Elvis também queria cantar, se divertir. “A música da minha vida é aquela. Quem acredita sempre alcança" (Mais uma vez, da Legião Urbana). Além das lembranças do show, junho virou um mês forte para ele por outro motivo. O dia 19 viria a ser, a partir de 2008, o da conscientização mundial sobre a doença falciforme. Junho virou mês de cantar mais alto. 

Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Elvis com seu irmão Elder.Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Elvis com seu irmão Elder. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação - Arquivo pessoal/Divulgação

Elvis faz o som ir longe contra o racismo (a maior parte dos pacientes é negra) e também a invisibilidade que, segundo ele e outras pessoas consultadas pela Agência Brasil, comprometem o atendimento no sistema público.

O ativista e coordenador científico da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal) foi o paciente mais velho do Brasil a receber o transplante de medula óssea para se curar da doença.

A anemia falciforme tem característica hereditária (pode passar de pais para filhos, se ambos os genitores tiverem o traço da doença). Ocorre por causa de uma mutação genética, com a alteração no formato das hemácias (formato de meia-lua ou foice).

Isso gera um problema na produção da hemoglobina, proteína que dá a cor vermelha ao sangue e é responsável por transportar o oxigênio pelo corpo. A doença ocorre por lesões vasculares e anormalidade na coagulação. Entre os sintomas, dores fortes pelo corpo e cansaço.

Transplante

Hoje, aos 56, o ex-relojoeiro diz que nunca deixou de acreditar e insistir com outras pessoas na luta contra a doença, que causa dores fortes e que pode levar à morte. Após “centenas de internações”, ele foi curado graças a um transplante de medula óssea (mais tarde também precisou receber um fígado). 

Elvis pede políticas públicas e denuncia que a doença é invisibilizada pelo racismo estrutural. “A doença foi diagnosticada há mais de um século e só foi avançar nas políticas públicas em 2005”, afirma.

Impacto

A médica Joice Aragão de Jesus, coordenadora de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, também entende que a história do cuidado com a doença mostra que o problema não ganhou a atenção devida em vista de os pacientes serem da população negra e de maior vulnerabilidade.

“O racismo institucional é um processo sutil na população brasileira. Isso tem impacto também na qualidade da assistência prestada a essa população”.

Ela diz que até 2005 não existiam protocolos no Sistema Único de Saúde (SUS), com orientação de tratamentos. “Naquele ano foi publicada a primeira portaria criando a Política Nacional de Atenção Integral às pessoas com Doença Falciforme”.

Daí em diante, foram estabelecidos protocolos de tratamento de cuidados na rede de hemocentros. “De 2005 a 2015, houve participação e realização de simpósios internacionais e nacionais. Então a doença ganhou mais visibilidade dentro da emergência dos hospitais e nos ambulatórios”.

Ela considera que, nos últimos anos, houve uma desativação de políticas públicas e menos atividades de capacitação e pesquisa. “De fato, há um impacto não só pela pandemia. Houve um arrefecimento nas atividades referentes às políticas públicas”. 

A médica diz que o atual programa é uma referência como política de qualidade dentro do SUS.

“Nós tivemos uma projeção internacional em cooperação com países da África, por exemplo (leia mais aqui sobre o tema). Agora, estamos retomando. A ciência tem possibilitado melhoria na qualidade de vida. Nós mudamos a história natural da doença, que era de morrer até os cinco anos de idade”.

Pouca divulgação

A cientista social Maria Renó Soares, coordenadora da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), que reside em Belo Horizonte (MG), lamenta a baixa visibilidade da enfermidade. “Mesmo sendo a doença hereditária com maior prevalência no Brasil, pouco se fala. Por ser prevalente na população negra, é pouco divulgada. A gente ainda tem muita dificuldade de acesso ao tratamento. E isso se dá devido ao racismo”, avalia. 

Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Maria SoaresFoto: Arquivo pessoal/Divulgação
Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Maria Soares Foto: Arquivo pessoal/Divulgação - Arquivo pessoal/Divulgação

Ela explica que há uma estimativa de mais de 100 mil pessoas com a doença - “95% das pessoas com a doença são negras e a maioria é beneficiária do Bolsa Família. A maior dificuldade é de acesso ao tratamento, às medicações, às novas tecnologias. Principalmente no que diz respeito à urgência e emergência”. 

A cientista social lamenta que  a mortalidade pela doença no Brasil ainda é muito alta. “Há sobrevida de pessoas de até 42 anos e a morte de mais de 30 mil pessoas por ano no Brasil, que poderiam ser evitadas se tivessem acesso ao tratamento adequado”.

Um dos medicamentos utilizados é a hidroxiureia, de alto custo e que deve ser distribuído pelos poderes públicos. A coordenadora da Fenafal diz que uma demanda importante é a autorização para que o Ministério da Saúde autorize o remédio já fracionado para a criança, a fim de evitar que haja a manipulação incorreta do medicamento a partir do mesmo remédio dado ao adulto. 

Uma política pública importante foi a possibilidade de o Teste de Pezinho poder fazer o diagnóstico precoce. Isso pode salvar a vida da criança, já que o tratamento pode ser iniciado mais cedo. 

Indicação do transplante

No caso de Elvis, os pais descobriram a doença quando ainda era criança. Ele conviveu com dores indefiníveis e incontáveis internações demoradas. O problema só foi resolvido com o transplante de medula óssea. Ele foi um dos primeiros casos no Brasil. “Fui indicado porque tinha muita crise de dor. Em 2005, fez o procedimento na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto (SP). 

Para realizar o transplante, ele descobriu que o irmão, Elder, quatro anos mais novo (que não tinha a doença) era 100% compatível. Atualmente, o coordenador científico da entidade de paciente com a doença explica que o procedimento tem sido feito até com compatibilidade de 50% entre paciente e doador. 

Elvis tinha 38 anos de idade quando se submeteu ao procedimento para colocar fim às crises em que precisava até de morfina para amenizar a dor. Outra terapia que o relojoeiro descobriu foi escrever. Fez uma autobiografia: Quatro décadas de lua minguante

Páginas especiais são dedicadas ao irmão. “Nunca briguei na vida com ele. Sempre foi um amigo. Tinha certeza de que ele era compatível”. O irmão, Elder, sabe que Elvis faria o mesmo por ele se precisasse. “Foi emocionante quando soube que poderia ajudá-lo”.

No Distrito Federal, por exemplo, o hemocentro cadastrou, durante o ano de 2023, 26.510 doadores de sangue. Já as pessoas cadastradas no banco de doadores de medula óssea foram 1.283 pessoas. Cabe ao hemocentro "o fornecimento de todos os hemocomponentes necessários para as transfusões demandadas no tratamento dos pacientes com doença falciforme".

A Fundação Hemocentro explica que o candidato à doação pode colher sangue e se cadastrar como doador de medula óssea no mesmo dia. "Nesse caso, basta agendar a doação e, no dia do atendimento, informar logo na primeira etapa que também deseja se cadastrar como doador de medula", esclareceu a entidade em nota.

Diagnóstico precoce

Se Elvis é do rock, o servidor público paraibano Dalmo Oliveira, de 56 anos, nascido em Guarabira e radicado em João Pessoa, aprecia o forró e as festas de São João, que ocorrem nesta época do ano principalmente em Campina Grande (PB). Ele é da Associação Paraibana dos Portadores de Anemias Hereditárias e foi diagnosticado com a doença quando era criança. 

Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Dalmo OliveiraFoto: Arquivo pessoal/Divulgação
Brasília (DF) - Anemia falciforme foi invisibilizada pelo racismo, Dalmo Oliveira Foto: Arquivo pessoal/Divulgação - Arquivo pessoal/Divulgação

“Só descobrimos porque minha mãe me levou para fazer exames em João Pessoa. A minha sorte é que o diagnóstico foi bem precoce para aquele momento. E isso me salvou e me deu uma qualidade de vida até hoje”. O tratamento limitava-se à transfusão de sangue. Lembra-se que precisou fazer transfusão de sangue até os 15 anos de idade. As crises foram diminuindo à medida que foi envelhecendo. E resolveu depois ajudar pessoas que entendiam pouco sobre a doença. 

“Como a doença atinge mais fortemente a população negra, existe ainda hoje uma negligência. Nos estados brasileiros onde a população negra é mais presente, a doença também é mais presente. Mesmo assim, a gente ainda encontra médicos e enfermeiros desinformados sem saber como tratar o paciente que chega à unidade”.

Ele diz que cobra muito das autoridades médicas que proporcionem e conscientizem sobre o aconselhamento genético para casais que pretendem ter filhos.“Um exame de sangue simples, que é a eletroforese da hemoglobina, gratuita pelo SUS, pode identificar se os pais carregam genes com possibilidade de ter um filho com a doença”. Dalmo tem cinco filhos. Nenhum deles tem a anemia falciforme.

Eventos em Brasília

Para proporcionar mais conhecimento sobre a doença, o Ministério da Saúde promove, nesta segunda-feira (19), em Brasília, quatro palestras, das 9h às 12h, com profissionais de saúde especialistas no tema. O encontro será no auditório PO 700, na Avenida W5. 

No dia 22 (quinta-feira), no mesmo local, a coordenação da Fenafal promove seminário nacional, das 13h às 17h, e uma audiência pública no Senado, de manhã (a partir das 9h). O telefone para informações é o (31) 99199.6985.

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

Teste do pezinho: diagnósticos precoces salvam vida de recém-nascidos

O teste do pezinho é considerado a forma mais eficaz de diagnosticar precocemente doenças genéticas, metabólicas e infecciosas que podem afetar o desenvolvimento de crianças. Em maio de 2021, a Lei nº 14.154 ampliou para mais de 50 o número de doenças raras detectadas pelo exame via Sistema Único de Saúde (SUS).

Pouco mais de dois anos depois, no Dia Nacional do Teste do Pezinho, lembrado nesta terça-feira (6), a Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo avalia que o exame está em expansão no Brasil. A fase classificada como ideal para a realização do teste é entre o terceiro e o quinto dia de vida.

“É a partir dessa gota de sangue que o futuro de uma pessoa é desenhado, dando a oportunidade de agir precocemente no tratamento de doenças graves”, destacou a entidade nas redes sociais.

A vice-presidente da sociedade, Carolina Fischinger, reforçou a importância da coleta do sangue no tempo certo. “A detecção dessas doenças previne consequências clínicas importantes pois são condições tratáveis. Também lembro que temos uma lei que prevê a ampliação para mais doenças, possibilitando o diagnóstico precoce de doenças genéticas graves que têm tratamento disponível.”

Rol de doenças

Antes da Lei nº 14.154, o SUS realizava um formato de teste do pezinho capaz de detectar apenas seis doenças. Com a nova legislação, o exame passou a englobar 14 grupos de doenças, que podem identificar até 53 tipos diferentes de enfermidades e condições especiais de saúde.

As mudanças propostas pelo texto, entretanto, começaram a vigorar somente em maio do ano passado e o processo de ampliação do teste deve acontecer de forma escalonada.

Na primeira etapa de implementação, o teste do pezinho continua detectando as seis doenças iniciais, ampliando para a testagem de outras relacionadas ao excesso de fenilalanina e de patologias relacionadas à hemoglobina (hemoglobinopatias), além de incluir os diagnósticos para toxoplasmose congênita.

Em uma segunda etapa, seriam acrescentadas as testagens para galactosemias; aminoacidopatias; distúrbios do ciclo da ureia; e distúrbios da beta oxidação dos ácidos graxos (deficiência para transformar certos tipos de gorduras em energia). 

Para a terceira etapa, ficam as doenças lisossômicas (que afetam o funcionamento celular) e, na quarta etapa, as imunodeficiências primárias (problemas genéticos no sistema imunológico). Já na quinta etapa, começará a ser testada a atrofia muscular espinhal (degeneração e perda de neurônios da medula da espinha e do tronco cerebral, resultando em fraqueza muscular progressiva e atrofia).

Público x privado 

A lei também prevê que, durante os atendimentos de pré-natal e de trabalho de parto, os profissionais de saúde devem informar à gestante e aos acompanhantes sobre a importância do teste do pezinho e sobre eventuais diferenças existentes entre as modalidades oferecidas no SUS e na rede privada de saúde. 

Arte teste do pezinho
Arte/Agência Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

Por - Agência Brasil

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