Paraná

Com pesquisa e iniciativas pioneiras, Paraná pode se tornar a terra do lúpulo no futuro

 Com pesquisa e iniciativas pioneiras, Paraná pode se tornar a terra do lúpulo no futuro

Maior produtor de cevada do Brasil, o Paraná pode se tornar um bom produtor também de lúpulo, essência fundamental para o aroma e o amargor característicos da cerveja.

Alguns experimentos já contam com a participação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e outros são fruto da iniciativa de produtores que se engajaram na causa, ampliando a oferta de produtos que saem do campo no Estado.

Em Palmital, zona rural de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, 400 plantas trepadeiras geometricamente bem ajustadas nas laterais apontam ao céu estendendo-se por cinco metros de altura, amparadas em uma estrutura de postes e arames reforçados. Essa é a forma mais adequada para que o lúpulo cresça e aproveite o máximo de sol, que contribuirá para melhor qualidade do produto. 

O final de fevereiro e início de março é período da colheita, e o produtor Josimar Cubis reúne familiares e vizinhos para a tarefa. Espera repetir a média de 40 a 50 quilos do produto já seco e desidratado, ainda que o potencial instalado possa render em torno de 80 a 100 quilos. Ele atende cervejarias artesanais da RMC, Londrina e Maringá, além de municípios de São Paulo e Minas Gerais.

Cubis nasceu na propriedade rural que os pais cultivam há 57 anos, principalmente com milho, feijão e batata. Mas desde os 18 anos não passa o dia todo nela. Buscou emprego fora e hoje ainda mantém expediente em uma indústria automobilística. “Mas eu sempre quis plantar alguma coisa na chácara, algo que não fosse comum, porque para o pequeno produtor é difícil trabalhar com as culturas tradicionais”, afirma.

Em 2015, enquanto navegava na internet em busca do algo diferente, bateu os olhos no lúpulo e conheceu a Mantiqueira, reconhecida em 2021 como variedade genuinamente brasileira, resultado de estudos desenvolvidos pelo agrônomo Rodrigo Veraldi em São Bento do Sapucaí (SP), na região da Serra da Mantiqueira, com sementes que se adaptaram ao clima e solo locais. “Passei a conversar com ele”, diz. Em 2020 trouxe as primeiras 260 mudas, que se multiplicaram para 400 em aproximadamente 1,3 mil metros quadrados de terreno.

Os desafios estão sendo vencidos na prática. O primeiro foi o distanciamento entre as linhas das plantas. Em alguns países produtores é de 1,20 metro devido à boa insolação. “Eu plantei com 4 metros para que uma fileira não faça sombra para a outra e numa linha que permita o maior tempo de sol possível diretamente nas plantas”, afirma. A irrigação por gotejamento não foi problema, pois um poço artesiano atende às necessidades da propriedade.  

Novos obstáculos foram enfrentados no ano passado, com ataque de fungos, em razão do excesso de chuvas, quando perdeu 70% da produção. E agora com um tatu, que cisma cavoucar minhocas onde caem as gotas de irrigação e acaba arrancando as plantas, além de formigas, que destroem um pé em uma noite. Cubis acentua que ainda está aprendendo o trato com a planta. “Não tem nada para o Brasil, tem de estudar, pesquisar, ligar para um e para outro, e ler matéria em inglês”, salienta.

Nos primeiros anos ele mantinha a área absolutamente limpa, até que aprendeu que o lúpulo precisa de umidade e que manter o capim e a palhada ajuda na tarefa. A intenção é ter duas mil plantas. “Mas não vou aumentar até que eu aprenda a trabalhar bem com o lúpulo, é melhor errar pequeno”, afirma. “Eu encontrei no lúpulo o que queria desde criança, toda tarde e em minhas horas de folga estou aqui”.

Entre os meses de abril e setembro o produtor mantém a planta em dormência. A partir daí ela rebrota com crescimento de até 30 centímetros por dia. Nesse momento há necessidade de conduzir o desenvolvimento para que a trepadeira não se desgarre dos fios condutores. Em janeiro floresce e a colheita começa em fins de fevereiro, quando os galhos são cortados baixo e levados para a retirada manual das flores. Debulhadas seguem para a estufa, onde são secadas durante oito horas, trituradas e embaladas a vácuo.

 

LUPULO
Josimar Cubis planta lúpulo em Araucária e tem clientes na RMC, Londrina e Maringá. Foto: Roberto Dziura Jr./AEN


PESQUISA – Na Academia estão em andamento pesquisas sobre as variedades mais adequadas para o Paraná e o Brasil. Um dos trabalhos mais destacados é entre o professor Sérgio Ruffo, do Departamento de Agronomia da UEL, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio do professor Alessandro Sato, em Palotina, no Oeste do Paraná. “Não tenho dúvidas em relação às boas perspectivas para o Paraná, tanto que estamos ampliando o espaço de pesquisa”, afirma Ruffo. “Não é mais sonho, já é realidade”.

Segundo o professor, as cultivares de lúpulo existentes no Brasil vêm dos Estados Unidos e da Alemanha. Nos experimentos que a UEL e a UFPR fazem há cinco anos em Palotina estudam-se cerca de 20 variedades disponibilizadas por três viveiros, um no Rio de Janeiro e dois em São Paulo. “São cultivares mais produtivas, mais conhecidas e estamos fazendo trabalho de adaptação, procuramos selecionar as mais produtivas para as condições do Paraná”, diz. 

O início foi em área pequena, agora ampliada e contando com apoio de agências financiadoras, como o CNPq, do governo federal. “Resolvemos apostar”, afirma Ruffo. Segundo ele, o trabalho envolve bastante tecnificação. O lúpulo precisa de 17 horas diárias de sol para aproveitamento e rentabilidade integrais, o que é oferecido pela natureza em várias localidades dos principais países produtores. 

No Brasil o máximo registrado é de 14 horas de luz diária. “Precisa de iluminação artificial para suplementar as três horas restantes e isso envolve muita tecnologia”, salienta. Nos experimentos são utilizadas lâmpadas especiais. “Se não houver, acaba florescendo antes de atingir o topo da treliça, de forma que não produz a quantidade de flores que caracteriza a ótima produção. E é isso que queremos”.

O professor reforça que um lúpulo nacional deve garantir também maior qualidade que o produzido, embalado e armazenado fora do País. “O que fazemos é oferecer lúpulo fresco, com característica de frescor”, diz. “Outro diferencial é que, com as técnicas que desenvolvemos, conseguimos produzir duas safras ao ano”. Além de possibilitar melhor aproveitamento por parte dos cervejeiros. “Apostamos em ter mais de uma cultivar para permitir que os cervejeiros exerçam a criatividade nas receitas.”

Outros usos, segundo ele, podem acontecer em óleos essenciais nas indústrias de fármacos, cosméticos e alimentos.

LUPULO
Plantinha verde é responsável pelo aroma e amargor da cerveja. Foto: Roberto Dziura Jr./AEN


NÚMEROS – Inicialmente o lúpulo era adicionado à cerveja para atuar como conservante natural, mas pelo sabor e aroma verificados após as viagens de transporte, acabou incorporado às receitas de fabricação. As primeiras menções oficiais de lúpulo no Brasil datam de 1885, com importação feita por D. Pedro II. No Paraná, uma mensagem do governador Affonso Alves de Camargo em 1920 faz alusão a plantações em Guarapuava, de mudas trazidas dos Estados Unidos com a ajuda da Cervejaria Atlântida.

O Anuário da Cerveja 2022, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, apontou 1.729 cervejarias no Brasil. Naquele ano houve aumento de 11,6% em relação às 1.549 registradas em 2021. Elas têm 42.831 produtos registrados no Mapa. O Paraná é o quinto colocado, com 161 cervejarias que oferecem 4.391 produtos diferentes, muitos deles premiados. O Brasil produz anualmente cerca de 15,3 bilhões de litros de cerveja.

Os dados do Mapa do Lúpulo Brasileiro 2023, levantados pela Associação Brasileira de Lúpulo (Aprolúpulo), mostram que no ano passado o Brasil possuía 114 produtores de lúpulo, um salto iniciado em 2015, quando se tinha apenas um. A área total cultivada era de 111,8 hectares, crescimento de 133% em relação ao ano anterior, quando se tinha 48,5 hectares. São 44 variedades cultivadas no País.

As 231.817 plantas em produção espalhadas pelo território brasileiro renderam 88 toneladas do produto, um aumento de 203% em relação às 29 toneladas de 2022. No Paraná, 16 produtores (4º lugar) estendiam 17.440 plantas (6º lugar) em 8,4 hectares (5º lugar), com produção inferior a 8 toneladas. Segundo a Aprolúpulo, o valor médio conseguido no ano passado foi de R$ 223 pelo quilo, com valor máximo a R$ 400. 

O Agrostat, plataforma do Ministério da Agricultura e Pecuária que acompanha o comércio exterior do agro brasileiro, apresentou em 2023 a importação de 3,1 mil toneladas de lúpulo ao valor de US$ 62 milhões. Os importadores paranaenses investiram US$ 4,7 milhões para trazer 114,9 toneladas, das quais 74,3 toneladas dos Estados Unidos, 37 toneladas dos países asiáticos e 3,6 toneladas da Alemanha.

 

 

 

 

 

Por - AEN

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