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Eutanásia em cães: como saber que chegou a hora e lidar com a decisão

Eutanásia em cães: como saber que chegou a hora e lidar com a decisão

Quando Harry chegou na casa do recém-graduado em Direito João Gabriel Dias, o tutor ainda não sabia qual era o dia exato de seu nascimento. Foi ao fazer o cadastro no pet shop que veio a surpresa: o filhote de lhasa apso havia nascido exatamente um dia após o seu aniversário, em 18 de agosto.

Frente às comemorações sempre duplas e anuais, parentes e amigos concluíam que tudo se dava porque Harry havia chegado como um presente — mas a realidade é que se tratava de uma verdadeira e oportuna coincidência da vida.

Preguiçoso e amante de banhos de sol, o cachorro era também um amigo fiel. “Ele gostava de subir as escadas para deitar nos diferentes tapetes da casa. Era um sommelier de tapete. Mas também era um baita companheiro — eu sempre falo que ele se formou comigo, porque ficava madrugadas adentro estudando do meu lado. Companheirismo e preguiça formariam a dicotomia de personalidade dele”, continua João.

A parceria durou 15 anos e 10 meses. Harry morreu em julho deste ano, depois de uma série de afecções e tentativas de tratamentos. Vista em uma situação comum a muitos tutores e diante do sofrimento do amigo canino, a família optou pela eutanásia.

A eutanásia

A eutanásia só é aplicada quando não há outra solução e quando o animal está em sofrimento (Foto: Unsplash/ Ryan Stone/ CreativeCommons)

A eutanásia só é aplicada quando não há outra solução e o animal está em sofrimento (Foto: Unsplash/ Ryan Stone/ CreativeCommons)

A eutanásia é considerada a maneira humanitária de levar o pet à morte, sem dor ou estresse. De acordo com Pollyana Moura, médica-veterinária pós-graduada em clínica e cirurgia de pequenos animais, a prática só deve ser realizada quando não houver mais nada que se possa fazer para salvar a vida do mesmo.

“Ela é indicada para casos em que o animal já esteja em estágio final, com a finalidade de aliviar o seu sofrimento; em algumas doenças incuráveis para as quais não há condição de tratamento; e em doenças infectocontagiosas. Porém é proibido realizar eutanásia que não seja nesses casos de extrema necessidade e sem o laudo do médico-veterinário que atendeu o paciente, além do termo de eutanásia devidamente assinado pelos tutores”, explica a médica.

 

Completamente indolor, o procedimento geralmente consiste na aplicação de anestesia profunda, seguida de uma medicação que para o coração.

João e Harry eram inseparáveis, mesmo nos estudos para a graduação madrugadas adentro (Foto: Instagram/ @joaodavd/ Reprodução)

João e Harry eram inseparáveis, mesmo nos estudos para a graduação madrugadas adentro (Foto: Instagram/ @joaodavd/ Reprodução)

No caso de Harry, houve uma sobreposição de situações que comprometiam a sua qualidade de vida desde outubro de 2021. Primeiro, ele contraiu a doença do carrapato e, por isso, precisava ser medicado.

“Ele também sempre apresentou um quadro de artrose, então sempre tomou remédio para os ossos… e aí, com o passar do tempo, o número de remédios foi aumentando”, conta João.

Em janeiro de 2021, o cão iniciou um processo de cegueira, com catarata muito avançada em um dos olhos e em desenvolvimento rápido no outro. Em outubro do mesmo ano, Harry teve uma síncope tão estranha e súbita que levou seus tutores a acreditarem que ele morreria naquele dia.

“A gente até achava que era o dia que ele estava morrendo pela forma que ele estava grunhindo, que ele estava deitado, respirando ofegante. Foi desesperador e, desde esse ataque, ele ficou com algumas alterações também no quadro neurológico. Trocava a noite pelo dia, não entendia muito bem os horários; e também acentuou a incontinência urinária que ele tinha há um tempo”, diz João.

Harry acompanhou João por toda a vida, e seu tutor esteve com ele até os seus últimos momentos (Foto: João Gabriel Dias/ Arquivo Pessoal)

Harry acompanhou João por toda a vida, e seu tutor esteve com ele até os seus últimos momentos (Foto: João Gabriel Dias/ Arquivo Pessoal)

Desde o dia da pior crise, a família entendeu que se tratava do fim da vida do cão e que era hora de apenas dar carinho para que ele tivesse assistência na reta final.

Era assim que eles se encontravam no dia 24 de junho, quando Harry morreu: a sensação de perda já havia sendo absorvida gradualmente. Em uma noite de muita vocalização e desconforto por parte do animal, João e seus pais ficaram em silêncio, cada um em seu papel para garantir conforto ao amigo de quatro patas.

“Quando a gente acordou, depois dessa madrugada, eu só cruzei o olhar com o meu pai e falei 'a gente vai fazer a eutanásia de Harry hoje, né?'. E ele só respondeu 'exatamente'”, lembra João.

Juntos, eles então levaram Harry à clínica, sem que João deixasse o seu lado um segundo sequer. Ele esteve fazendo carinho até o último momento, verbalizando que seu amigo poderia ir; que já estava na hora.

Na reta final da vida, Harry acumulava uma série de dificuldades, como cegueira por catarata, incontinência urinária, artrose e outros problemas (Foto: Instagram/ @joaodavd/ Reprodução)

Na reta final da vida, Harry acumulava uma série de dificuldades, como cegueira por catarata, incontinência urinária, artrose e outros problemas (Foto: Instagram/ @joaodavd/ Reprodução)

“O meu maior sentimento, além da óbvia e inevitável tristeza diante de tudo que estava acontecendo, foi de querer dar conforto para ele. E querer dizer para ele que o que ele tem para fazer aqui já estava feito. Estava grato por isso, por ter tido tempo de sobra com ele”, diz o tutor sobre Harry, que ultrapassou a expectativa de vida de sua raça.

Luto: tristeza, culpa, resignação e saudade

Optar pela eutanásia de alguém que lhe acompanhou a vida inteira e a quem você destina grande parte de seu amor pode ser terrivelmente doloroso. Segundo Pollyana, é comum que os tutores sejam tomados por uma tristeza profunda: “Em geral, é sempre muito difícil perder um pet, que é como um membro da família”.

São sentimentos comuns às mortes que não envolvem eutanásia — mas, neste segundo caso, há outro fator inerente: a culpa.

“O luto, seja relacionado a uma perda de um ente querido ou animal doméstico, é um processo complexo e único para cada pessoa que o vivencia”, explica Beatriz Sassi, psicóloga formada em zooterapia, ética e bem-estar animal.

Muitos tutores veem o seu pet como membro da família (Foto: Unsplash/ Chewy/ CreativeCommons)

Muitos tutores veem o seu pet como membro da família (Foto: Unsplash/ Chewy/ CreativeCommons)

Contudo, ter de decidir sobre a vida de um animal que você ama requer muita aceitação para não implicar em um autojulgamento seguido de culpa.

“Convido o tutor a pensar que decidir pela eutanásia, após recorrer a todos os cuidados, pode ser uma atitude de compaixão para com seu animalzinho, a fim de cessar seu sofrimento. Também o oriento a refletir acerca de nossa vulnerabilidade diante da vida, visto que não temos controle em relação aos fenômenos da natureza e as leis do universo, propiciando assim melhor aceitação”, sugere Beatriz.

Foi o que João sentiu. “É preciso aceitar a inevitabilidade daquilo e reconhecer que é um dos últimos atos de amparo e de cuidado que você pode ter pelo bichinho. Para fazer isso, você precisa aceitar que aquilo não diz respeito só a você, mas também ao próprio animal. É saber enxergá-lo, porque às vezes podemos ser egoístas e lembrar apenas da dor que sentiremos. Mas se ele chegou em um quadro em que eutanásia aparece como solução, está sofrendo aqui”, diz.

 

Como lidar com a eutanásia

Para optar pela eutanásia, é preciso ter uma boa aceitação e ter empatia pelo sofrimento do animal (Foto: Unsplash/ Sherry Wright/ CreativeCommons)

Para optar pela eutanásia, é preciso ter uma boa aceitação e empatia diante do sofrimento do animal (Foto: Unsplash/ Sherry Wright/ CreativeCommons)

Beatriz explica que o luto por pets é designado, pela psicologia, como luto não-reconhecido. Ou seja, trata-se de um processo de dor e perda não legitimado pela sociedade e até mesmo pelos próprios enlutados.

“Dessa forma, muitas pessoas que optam pela eutanásia sentem medo e vergonha em demonstrarem suas emoções e sentimentos a respeito da perda de seu pet”, diz a psicóloga.

É importante, porém, permitir-se sentir a dor e as emoções que derivam da perda, porque escondê-las ou negá-las pode desenvolver um luto traumático e causar um processo ainda mais doloroso, acarretando sintomas e quadros de ansiedade e depressão.

“O luto consiste em um processo de adaptação à perda, envolvendo várias fases, sendo uma delas o sentimento de culpa. Vale lembrar que não há superação do luto, uma vez que o sofrimento é inevitável e sempre existirá a dor da perda, a falta, o vazio, a saudade”, explica Beatriz.

A eutanásia é realizada de forma indolor, com anestesia e medicação que pare o coração do animal (Foto: Unsplash/ Reba Spike/ CreativeCommons)

A eutanásia é realizada de forma indolor, com anestesia e medicação que pare o coração do animal (Foto: Unsplash/ Reba Spike/ CreativeCommons)

Contudo há também um processo de elaboração da dor, em que o enlutado vai paulatinamente adaptando-se a uma nova realidade. Com isso, apesar da presença inevitável da saudade, a dor diminui sua intensidade e surgem outros significados para o que aconteceu.

O caso de João e Harry, por exemplo, demonstra este fenômeno: apesar do uso das palavras que confirmam a conformidade da decisão, muitas vezes João conjugou os verbos no presente — como se dissesse que Harry ainda está aqui; como se sentisse a sua presença. É a saudade que fica.

Para aqueles que enfrentarão a eutanásia de seu pet em breve ou se veem em momentos de despedida, Beatriz indica não comparar as dores. “O período de duração das etapas desse processo é subjetivo, pois o tempo de cada sujeito é único”, diz.

Mas há luz no fim do túnel, e, segundo sugere a psicóloga, há profissionais especializados em auxílio para casos de luto por pet. Não hesite em buscar ajuda, se necessário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por - Vida de Bicho

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