Paraná

Saem telas, entram tabuleiros: restrição a celulares nas escolas revela novos interesses

 Saem telas, entram tabuleiros: restrição a celulares nas escolas revela novos interesses

Se até o fim do ano passado era comum observar alunos conectados aos seus celulares nos intervalos das aulas, o ano letivo de 2025 começou bem diferente com a restrição do uso dos aparelhos dentro das escolas.

Somados três meses sob a nova rotina, em substituição às telas, a rede pública do Paraná adota alternativas mais analógicas que não estão decepcionando. Ao contrário, atraem cada vez mais o interesse dos alunos para além do período de descanso entre uma aula e outra, seja por iniciativa das instituições ou de forma natural. 

No Colégio Estadual José de Anchieta, em Londrina, no Norte do Estado, por exemplo, um projeto saiu do papel: a criação de um clube de jogos analógicos e um componente eletivo que abordasse o tema dos jogos.

“Desde o ano passado, eu costumava deixar alguns jogos em meu armário e no intervalo do almoço me reunia para jogar com os estudantes que tinham interesse”, conta o professor de História e Projeto de Vida, Henrique Bueno Bresciani, que aproveitou a proibição do Ministério da Educação para implementar, junto à direção, um curso, uma  disciplina eletiva intitulada “Aprender Jogando” para os alunos do Ensino Médio.

A direção recebeu tão bem a proposta que disponibilizou o espaço da biblioteca para o desenvolvimento do projeto, sinalizando o interesse em adquirir mais jogos para o colégio. A ideia é criar por lá uma ludoteca, um local onde os alunos possam interagir através de jogos e atividades criativas, e também  instalar uma caixa de jogos que possa ser levada para as salas de aula e usada em propostas pedagógicas. 

Os jogos analógicos ou físicos são os que não precisam de dispositivos eletrônicos para serem jogados, e necessitam de tabuleiros, cartas, dados e outros tipos de peças. De acordo com os professores da instituição, boa parte dos alunos menores demonstrou interesse por jogos do tipo de dedução social, em que os participantes devem descobrir a identidade secreta dos demais jogadores, na modalidade detetive.

Entre os alunos do Ensino Médio, a aptidão foi para jogos que têm como uma de suas características a diminuição do fator sorte como elemento essencial para vencer. Nesse sentido, os participantes precisam colocar em ação uma série de habilidades cognitivas, como as que estimulam a criatividade, o raciocínio lógico, o pensamento abstrato e mesmo a colaboração entre os jogadores, não apenas para vencer um ao outro, mas para ganhar do próprio tabuleiro, os chamados jogos colaborativos. 

CLUBE – No fim do mês de abril, alunos da 1ª série do Ensino Médio e do 6º Ano do Ensino Fundamental fundaram o Clube de Protagonismo de Jogos Analógicos do Colégio José de Anchieta. O objetivo: proporcionar entretenimento aos estudantes no horário do almoço e também promover a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

“Um dos valores do clube é a integração entre os estudantes, bem como o seu acolhimento e a sua  inclusão. É comum que alunos atípicos, por exemplo, sintam-se bem jogando. O jogo pode fornecer um espaço controlado, com regras, favorecendo interações sociais positivas entre eles”, afirma o professor Henrique. 

O resultado dessa integração foi a relação dos estudantes do 6º ano com os do Ensino Médio, neste primeiro momento, os envolvidos na proposta, já que são as turmas que fazem parte da Educação em Tempo Integral. “Penso que os jogos têm mediado um bom relacionamento entre eles. As turmas passam mais tempo na escola e é comum que alunos do 6º ano, por exemplo, joguem com estudantes mais velhos do Ensino Médio e isso é muito saudável", acrescenta o professor.

Todos os jogos são bem-vindos ao projeto. No entanto, o mercado de jogos analógicos passou por uma intensa evolução nos últimos anos e atualmente há uma infinidade de jogos de cartas e de tabuleiro que podem ser classificados como analógicos contemporâneos, com potencial para o desenvolvimento dos alunos, ampliando seus horizontes. Os estudantes estão animados com essa perspectiva.

Mariah Inês Lelis, 15 anos, da 1ª série do Ensino Médio, conta que soube do projeto durante o almoço no pátio da escola, quando descobriu os jogos nos intervalos e se interessou. “Como sou fã de jogos, comecei a participar. O meu preferido é o Coup, porque é estratégico e dá pra jogar com bastante gente. Eu gosto bastante da rotina de jogos durante o almoço. É o meu momento favorito do dia, já que posso relaxar, aprender mais sobre os jogos e até sobre meus colegas”, diz Mariah.

Para ela, se não estivesse no clube, seria mais difícil conhecer os colegas de outras turmas. “É sempre legal conhecer pessoas novas e de idades diferentes. Tanto que até planejamos fazer algumas reuniões aos sábados para jogos que têm uma duração maior e que, às vezes, não cabem no nosso horário de almoço na escola”.

APRENDER JOGANDO – As primeiras aulas do curso eletivo semanal foram com leituras de matérias jornalísticas de divulgação científica apontando os benefícios dos jogos analógicos para a aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades. Paralelamente, os alunos têm se familiarizado com mecânicas diferentes de jogos, feito anotações sobre a experiência de jogar e refletido sobre os efeitos que tais atividades podem produzir na aprendizagem e no relacionamento interpessoal. 

Nos próximos encontros, os alunos iniciarão a produção dos próprios jogos analógicos, sempre respeitando as orientações dos professores do colégio. Uma exigência para isso é que eles deverão abordar conteúdos programáticos de Matemática, Português, História e até desenvolver habilidades mensuradas pelos descritores utilizados em exames nacionais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

“Minha expectativa é que possamos produzir um artigo a respeito de nossa experiência para apresentarmos em feiras de iniciação científica”, afirma o professor Henrique. 

O projeto envolve apenas os estudantes da Educação em Tempo Integral da escola, mas a ideia é expandir o conhecimento para os mais de 300 alunos do Ensino Regular do Fundamental. “Todo o Ensino Médio do Colégio José de Anchieta ocorre na modalidade de Ensino em Tempo Integral. A partir deste ano, iniciamos a transição das turmas do Ensino Fundamental II para a modalidade em Tempo Integral. Então, atualmente, o colégio ainda conta com turmas de sétimo, oitavo e nono anos na modalidade regular”, explica a diretora da escola, Jacinta Leite Cavalcante.

De acordo com Pedro Demarque Vendrame, de 14 anos, da 1ª série do Ensino Médio, que prefere os jogos de raciocínio, a experiência de estudar sobre jogos é benéfica, porque supre a ausência do celular.

“Acho uma ótima ideia, pois agora que o celular é proibido temos a oportunidade de ocupar o nosso intervalo para nos divertir com jogos analógicos e ainda trabalhar em equipe, ou seja, a interação é indispensável”, diz. “Queremos também que outras pessoas e escolas conheçam nosso trabalho e nosso clube e possam se inspirar. Aliás, nós pretendemos marcar uma data (sábados) na escola e convidar amigos e outras escolas de Londrina para participar”. 

EQUILÍBRIO E SAÚDE MENTAL – O Núcleo Regional de Educação (NRE) de Londrina é composto por 19 municípios e 122 escolas. Quem deverá estar entre as primeiras instituições a aceitar o convite do clube é o Colégio Cívico-Militar Professora Helena Kolody, de Cambé, que fica na mesma região. Por lá, de forma natural, desde a proibição dos celulares para uso recreativo, a rotina dos intervalos mudou. Os alunos passaram a utilizar mais a quadra poliesportiva em jogos de futebol, participam de partidas de pingue-pongue ou formam grupos para conversar.

Mesmo com a importância do celular como ferramenta pedagógica em caso de determinação do professor para auxiliar dentro de sala, a Secretaria de Estado da Educação (Seed-PR) orienta que as equipes pedagógicas das instituições estimulem o diálogo e uma mudança de hábito gradativa nessa nova fase.

“Nenhuma mudança é fácil e contamos também com a parceria das famílias”, destaca o secretário estadual da Educação, Roni Miranda. “É preciso alertar aos nossos alunos que o celular pode e deve ser usado somente como ferramenta de estratégia pedagógica ao longo das aulas. E que a interação com os colegas é fundamental no recreio, até como ponto de equilíbrio para resguardar a saúde mental dos estudantes”.    

Na 3ª série do Ensino Médio da instituição, o aluno André da Costa, 16 anos, confessa que é difícil se acostumar sem o aparelho no bolso ou nas mãos, mas diz que tem se concentrado mais nas aulas e nos colegas. “Agora consigo prestar mais atenção ao conteúdo e converso mais com os colegas no horário do intervalo. As relações melhoraram bastante e o aprendizado também”.

 

 

 

 

 

 

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