Guaraniaçu – Ministério Público envia recomendação a SEED para o não fechamento do CEEBJA no município
O Ministério Público de Guaraniaçu, enviou para a Secretaria de Educação do Paraná e à Chefia do Núcleo Regional de Educação de Cascavel, uma recomendação para que o CEEBJA Albano Tomasini não seja fechado no município.
A decisão veio após o Governo do Estado decidir fechar a unidade que atende a jovens e adultos do município de Guaraniaçu e da região, que não conseguiram por algum motivo terminar o ensino fundamental e médio no tempo regular.
Segundo o documento, a decisão do Governo foi tomada sem consulta aos alunos, funcionários e a população, violando assim os princípios de participação democrática da comunidade na gestão do ensino público (art. 3., VIII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional);
Além disso, o CEEBJA Albano Tomasini é a única unidade de ensino de jovens e adultos num raio de 100km, e está dentro de todas as normas cobradas pelo Governo do Estado.
Leia a baixo a recomendação.
Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR
RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA N.º 16/2024
Inquérito Civil MPPR n.º 0058.24.000725-0
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, presentado pelo Promotor de
Justiça subscritor, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no artigo 127, caput, artigo 129,incisos II e III, todos da Constituição Federal; artigo 5º, caput, da Lei n.º 7.347/1985; artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/1993, art. 27, parágrafo único, inciso IV e art. 80, ambos da Lei Federal n. 8.625/1993 e Resolução n. 164/2017 do CNMP; na tutela dos interesses dos direitos difusos e coletivos e individuais indisponíveis, e em especial, na defesa do interesse da sociedade da cidade de Guaraniaçu/PR;
Considerando o contido no artigo 127, da Constituição Federal, que dispõe que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;
Considerando o estabelecido nos artigos 129, inciso II, da mesma Carta Constitucional, bem como no artigo 120, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná, que atribuem ao Ministério Público a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”;
Considerando o artigo 2º, caput, da Lei Complementar nº 85, de 27 de dezembro de 1999, que antes de elencar funções atribuídas ao Ministério Público, reforça aquelas previstas na Constituição Federal e Estadual e na Lei Orgânica Nacional;
Considerando que o mesmo diploma legal supramencionado, em seus artigos 67, § 1º, inciso III, e 68, inciso XIII, item 10, dispõe que ao Promotor de Justiça incumbe, respectivamente, “atender a qualquer do povo, ouvindo suas reclamações, informando, orientando e tomando as medidas de cunho administrativo ou judicial, ou encaminhando-as às autoridades ou órgãos competentes” e “efetuar a articulação entre os órgãos do Ministério Público e entidades públicas e privadas com atuação na sua área”;
Considerando o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o qual faculta ao Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, requisitando ao destinatário adequada e imediata divulgação;
Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR
Considerando que nos termos do art. 6º, na redação dada pelas ECs 26/2000 e
64/2010 e 90/2015 são direitos sociais a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados;
Considerando que conforme esculpido na Carta Magna, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho;
Considerando que os direitos de segunda dimensão se apresentam como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida;
Considerando que a EJA, como modalidade da educação básica (art. 37, LDB), precisa ser compreendida na sua especificidade, na medida em que são pessoas que não estudaram em determinado período da sua vida e que retornaram para a escolarização com um conjunto de fatores que nem sempre são favoráveis, são estudantes que necessariamente trabalham, que já possuem famílias constituídas: Trata-se de verdadeira medida de democratização do acesso à educação;
Considerando o disposto no artigo 37, § 2º, Lei de Diretrizes e Bases da Educação:
“[…] Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1o Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si […]”.
Considerando que na EJA ofertada em escolas regulares, como o novo modelo implementado pelo Estado, as aulas seguem o cronograma da escola, sem respeitar os estudantes que buscam este modelo de ensino;
Considerando que o CEEBJA tem como principal característica ser uma instituição para a educação de jovens e adultos, sendo, portanto, a modalidade mais eficiente para a concretização dos comandos constitucionais relativos ao direito à educação;
Considerando que CEEBJA cumpre sua finalidade de forma muito mais eficiente e completa do que um EJA ofertado em uma instituição regular de ensino; Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR
Considerando que medida imposta pela Secretaria de Educação do Paraná, indubitavelmente, significa retroceder aos direitos sociais já adquiridos, em nítida ofensa aos ditames constitucionais e convencionais;
Considerando que a transferência da estrutura do atual CEEBJA em prol da oferta de EJA em instituições regulares revela forte retrocesso nos direitos dos alunos já matriculados;
Considerando que a decisão informal da SEED causou percepção na comunidade local, que apresentou abaixo-assinado, realizou protestos e teve apoio de membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo do Município de Guaraniaçu/PR, aparentando falta de diálogo com todos os envolvidos, o que torna a situação ainda mais grave;
Considerando que a ameaça de “fechamento” da instituição – CEEBJA Albano Tomasini causou grande comoção entre os alunos e a comunidade local, o que poderá dar ensejo a indenização por danos morais coletivos;
Considerando que não há notícia de pessoa da comunidade local que seja favorável à mudança feita unilateralmente e apressada pelo Estado do Paraná;
Considerando que a comunidade sequer foi ouvida para a tomada da decisão, o que viola os princípios de participação democrática da comunidade na gestão do ensino público (art. 3., VIII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional);
Considerando que o ensino de jovens e adultos, portanto, contempla em seu público adolescentes de 15 a 17 anos, como vários dos alunos do CEEBJA Albano Tomasini, que correm risco de, incluídos no sistema educacional normal, não terem suas peculiaridades observadas;
Considerando que os adolescentes são sujeitos de direitos merecedores de proteção integral e prioridade absoluta, os adolescentes contam com proteção ao seu direito ao trabalho, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente:
“[….]Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei. [...] Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada. § 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo. § 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo. Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho […]”.
Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR
Considerando o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do princípio da proibição do retrocesso:
“[…] “O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitosa prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou odireito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitosfundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização detais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ousuprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados” (ARE 639337 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23-08-2011, DJe- 177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL02587-01 PP-00125”[destacou-se]
Considerando o posicionamento de Valério Mazzuoli sobre os direitos humanos:
“[…] devem sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo o Estado proteger menos do que já protegia anteriormente. Em outros termos, os Estados estão proibidos de retroceder em matéria de proteção dos direitos humanos. Assim, se uma norma posterior revoga ou nulifica uma norma anterior mais benéfica, essa norma posterior é inválida por violar o princípio internacional da vedação do retrocesso (igualmente conhecido como princípio da ‘proibição de regresso’)” (in Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed., Revista dos Tribunais, p. 901).
Considerando o lecionado por Canotilho:
“[...]os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestação de saúde), em clara violação do princípio da proteção e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constituium limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução deuma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente
Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR alicerçadas. A violação do núcleo essencial efectivado justificará a sanção deinconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiçasocial. ” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed.Coimbra: Almedina, 2003, p. 338-339, destacou-se).
Considerando que os fundamentos da vedação ao retrocesso, e a sua mais absoluta aplicabilidade no âmbito do direito brasileiro, claro está que as ações do Governo do Paraná, que tencionam o “fechamento” de unidades do CEEBJA em todo o Estado, seguem na contramão da Constituição Federal e da máxima aplicabilidade do direito social a educação, pois suprimem direitos já conquistados, sendo imperiosa a adoção de providências pelo Poder Judiciário no sentido de coibir a política pública;
Considerando as colocações da direção do CEEBJA Albano Tomasini de Guaraniaçu/PR, em expediente aportado nesta data, na Unidade Ministerial de Guaraniaçu/PR:
“[…] o CEEBJA Profesor Albano Tomasini EFM está com todos os atos regulatórios válidos; não há nenhum problema de gestão em relação ao número de matrículas, aprovações e frequência; que numa extensão de 100km é a única escola que oferece a modalidade de Educação de Jovens e Adultos, hoje tão defendida e valorizada pelo governo federal (inclusive há a propaganda da Educação de Jovens e Adultos, incentivando a procurarem uma escola de EJA para matrículas); que o prédio escolar é do Estado, funciona em dualidade e uma escola não atrapalha a outra; que o Ceebja é a modalidade que acolhe os menores encaminhados via Conselho Tutelar e após os internamentos, via Cense; que acolhe os menores evadidos do ensino regular; que acolhe e oportuniza uma educação aos beneficiários do INSS; que a estrutura atual oferece todas as condições necessárias para a permanência do Ceebja onde está [...]”
Considerando os elementos informativos carreados no procedimento investigatório que dão conta de que diante das significativas diferenças existentes entre as modalidades de ensino, e sendo o CEEBJA Albano Tomasini de Guaraniaçu/PR mais estruturado pedagógica efisicamente para atender a população de jovens e adultos, resta claro que o fechamento daquela unidade, ainda que com a paralela implementação de EJA junto ao Colégio Estadual Desembargador, importará na completa aniquilação de direitos a muitos alunos, que certamente desistirão do contato com as salas de aula diante do considerável elastecimento do tempo necessário para a conclusão dos estudos;
RESOLVE
Promotoria de Justiça da Comarca de Guaraniaçu/PR
RECOMENDAR, à Secretaria de Educação do Paraná e à Chefia do Núcleo
Regional de Educação de Cascavel para que, em cumprimento às disposições legais e constitucionais mencionadas:
- I. MANTENHAMa estrutura/infraestrutura (pedagógica e física) e funcionamento da instituição CEEBJA Prof. Albano Tomasini-Ef M - Guaraniaçu/PR para o ano de 2025 eseguintes;
- ASSEGUREM,para o ano de 2025 e seguintes, as matrículas no CEEBJA Albano Tomazini, abstendo-se de realizar a transferência unilateral dos alunos para outra unidade/modalidade educacional;
Fixa-se o prazo de 05 (cinco) dias corridos para que os destinatários informem, se acatarão as disposições desta recomendação, comprovando o cumprimento, devendo, ainda, caso não a observem, justificar as razões.
O não atendimento à presente Recomendação acarretará a tomada de todas as medidas legais necessárias à sua implementação.
Ficam advertidos os destinatários da presente dos seguintes efeitos das recomendações expedidas pelo Ministério Público: (a) constituir em mora quanto às providências recomendadas, podendo seu descumprimento implicar a adoção de medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra o responsável; (b) tornar inequívoca a demonstração da consciência da ilicitude do recomendado; (c) caracterizar o dolo, má-fé ou ciência da irregularidade para viabilizar futuras responsabilizações; e (d) constituir-se em elemento probatório em sede de ações cíveis ou criminais.
O teor desta recomendação não exclui a irrestrita necessidade de plena observância a todas as normas constitucionais e infraconstitucionais em vigor.
Guaraniaçu/PR, datado e assinado digitalmente.
Igor Rabel Corso
Promotor de Justiça
Documento assinado digitalmente por IGOR RABEL CORSO, PROMOTOR DE
JUSTICA ENTRANCIA INICIAL em 03/12/2024 às 17:12:30, conforme horário oficial
de Brasília, com emprego de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil, com
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