Tocofobia, medo excessivo da gravidez, escancara desconhecimento sobre reprodução humana
Não se expor à mínima possibilidade de engravidar, para a advogada carioca Jéssica Mota, tornou-se quase uma obsessão.
Mesmo que isso significasse abrir mão de sexo. Sem fazer o uso diário do anticoncepcional em função de um problema de saúde, que a fez recorrer à pílula do dia seguinte mais do que o indicado pelos ginecologistas (só em casos de emergência), a jovem, de 29 anos, chegou a optar por não ter relações sexuais com penetração por quatro meses.
“O medo que eu sentia não podia ser normal”, pensou à época. “Começou em setembro do ano passado, quando estava terminando a última cartela do remédio e me vi insegura a ponto de ainda tomar uma pílula do dia seguinte depois de uma relação, apesar de sempre usar camisinha. Cheguei a fazer cinco testes de gravidez, de sangue, num período de dois meses. Passei a ser hiper vigilante na cama, não conseguia sentir prazer, comecei a ver o sexo como algo ruim. Melhorei depois de descobrir o que tinha numa sessão de terapia.”
Era tocofobia, nome dado "ao medo excessivo e irracional da gravidez e do parto. Aquele já conhecido caso da amiga, ou amiga da amiga, que sempre fica em pânico com a chance de ter ficado grávida. Questionamentos sobre a eficiência dos métodos contraceptivos, sintomas associados à gestação até em pleno período menstrual, testes e mais testes por mês e, às vezes, a opção pela abstinência sexual. Comportamentos que, para os que veem de fora, chegam a beirar o exagero, mas que, segundo especialistas, apontam um “tipo de transtorno de ansiedade, muito mais complexo”.
De acordo com a psicóloga Luísa Rodrigues, a tocofobia pode atingir mulheres de todas as idades, mas as jovens tendem a ser as mais afetadas. “O início da vida sexual, na adolescência, e o começo da fase adulta são os períodos nos quais geralmente o problema surge, por causa das consequências e do excesso de responsabilidade que uma gravidez traz”, explica. Ela ainda ressalta como ações mais frequentes a combinação de métodos contraceptivos: “Já atendi mulheres que usam anticoncepcional, têm DIU, usam camisinha e ainda tomam pílula do dia seguinte”.
A ginecologista Viviane Monteiro adverte sobre essa prática e pontua que todos os métodos contraceptivos, individualmente, têm entre 99,7% e 99,8% de eficácia, mas pondera sobre a queda dessa porcentagem decorrente a diversos fatores. “O que acontece é que existem métodos que não dependem da paciente e outros que dependem dela. No caso do anticoncepcional oral, a eficácia vai depender do uso correto, tomar na hora certa, não pular a pílula...”, esclarece. “Se for para combinar (métodos), que seja com o preservativo. É desnecessário fazer esse mix, isso pode acarretar em algum prejuízo. Se forem dois hormonais, por exemplo, a paciente pode ter uma sobrecarga, correr "o risco de ter uma trombose.”
Desconhecimento sobre saúde feminina é elencado pela estudante de Medicina Maria Júlia Ferreira como um dos principais motivos que levam à tocofobia. Para ajudar mulheres nessa situação, ela começou a produzir conteúdo e levantar debates sobre o assunto em seus perfis nas redes sociais, que já acumulam mais de 110 mil seguidores. “Sempre digo que não temos como ter certeza de nada. São probabilidades, que na maioria das vezes estão ao nosso favor, principalmente se nos cuidarmos e usarmos os métodos contraceptivos como se devem”, comenta. “Não vale a pena crucificar toda a nossa qualidade de vida, bem-estar "e saúde mental em prol de uma hipótese improvável.”
A ginecologista Mara Rubia desmistifica relatos que contradizem a ciência por trás das questões reprodutivas, como menstruar na gravidez e engravidar por meio de atos inusitados, que, uma vez compartilhados, podem contribuir para o desenvolvimento da fobia. “Grávida não menstrua. O útero está completamente ocupado pelo embrião. Se uma mulher sangrar grávida, ela tem um diagnóstico que precisa ser investigado”, sinaliza. “Toalha, banco e roupa sujos de sêmen não engravidam ninguém. O sêmen precisa encontrar o muco do período fértil para que o espermatozoide deslize nele e chegue onde tem que chegar.”
Identificada com as descrições de tocofobia, a estudante de Publicidade Ágatha Bahiense, de 22 anos, revelou que a ansiedade a faz passar a maior parte do tempo pesquisando sobre reprodução. Mesmo assim, bate ponto no consultório de sua ginecologista bimestralmente para pedir um exame Beta HCG. “Tomei duas pílulas do dia seguinte quando perdi minha virgindade. É uma ansiedade que não consigo controlar. Sonho com gravidez e acordo desesperada. Prefiro lidar com minha neura me preparando para tudo.” Que venha a ser nada.
Por - O Globo