Seu filho não dorme? Entenda os efeitos da privação de sono para as crianças - e para os pais
De acordo com a Associação Brasileira do Sono, o brasileiro dorme, em média, 6,4 horas por dia. O recomendado, porém, é descansar de 8 a 10 horas
Com a chegada do bebê, muitos pais enfrentam dificuldades para ter uma noite de sono tranquila — e isso pode demorar semanas, meses ou até anos para voltar ao normal. Mas quais os perigos da privação de sono prolongada? Ficar sem dormir pode trazer consequências que vão desde mudanças de humor até quadros de psicose.
A recomendação geral das agências mundiais de saúde é de 8 a 10 horas de sono diárias, mas o brasileiro descansa, em média, apenas 6,4 horas por dia, segundo a Associação Brasileira do Sono. E a situação é ainda mais preocupante para os pais de recém-nascidos: alguns relatam dormir apenas 2 horas por noite.
De acordo com a Agência Einstein, uma pessoa que ficou 18 horas sem dormir passa a ficar mais lenta e com reflexos comprometidos. O efeito é parecido com o de estar embriagado (o equivalente a uma concentração de 0,05% de álcool no sangue). Já quando o período de privação de sono é de 24 horas, o efeito pode ser comparado à taxa de álcool no sangue de 0,10%, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês).
Quem não dorme o suficiente também tem um aumento de corticosterona, um dos hormônios que o corpo libera em situações de estresse. “Isso provoca uma queda na produção de novas células do cérebro, afetando a cognição, especialmente a formação de memória e a capacidade de concentração”, explica o psiquiatra Adiel Rios, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, em entrevista à Agência Einstein.
'Cansaço sem fim'
A mãe Heidi Neves sentiu na pele todos os efeitos da privação de sono durante os primeiros anos de sua filha mais velha, hoje com 6 anos. “Ela nunca dormiu. Na primeira semana de vida dela, em uma semana inteira, eu dormi 8 horas”, lembra a mãe, em entrevista à CRESCER.
A advogada de 41 anos procurou médicos, especialistas e nenhuma das soluções pareciam ajudar. “Diziam que eu não tinha uma rotina, que era televisão, luz, barulho... Mas eu fiz de tudo e ela simplesmente não dormia”, conta sobre pequena, que só dormiu a primeira noite inteira depois de completar 2 anos. “Todos os dias eu via o dia
Com o acúmulo das noites em claro, somado aos cuidados que um bebê recém-nascido demanda, Heidi começou a sentir seu humor afetado e chegou até a ter alucinações nos primeiros meses de vida da filha. “É exaustivo. Não é uma semana... São meses, anos sem dormir. Eu tinha muita vontade de comer, engordei muito na época, sentia um cansaço sem fim. Durante um tempo tive até alucinações, imaginava coisas ruins com a minha filha e sinto que, entre tantas mudanças hormonais do pós-parto, isso foi agravado pelo fato de não conseguir dormir”, recorda.
Essa relação entre o sono e a balança já foi demonstrada há tempos pela ciência. Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 2004, mostrou que há uma ligação entre noites mal dormidas e o aumento no Índice de Massa Corporal (IMC) — o que indica que a duração do sono é um importante regulador de peso e do metabolismo.
Hoje mãe de dois, a advogada diz que demorou para decidir ter o segundo filho por medo de ter que enfrentar uma privação de sono tão severa novamente. “Quando engravidei, lembro de rezar para que o bebê fosse saudável e para que dormisse", afirma. Atualmente, o caçula dela tem 1 ano e 1 mês e já dorme a noite inteira. “Existem crianças que são assim. Não importa o que a gente faça, elas não dormem. Queria que alguém tivesse me contado isso. Pelo menos teria sentido menos culpa e com a certeza de que, em algum momento, iria passar”, completa a mãe.
Estágios da privação de sono
De acordo com o psiquiatra Adiel Rios, a falta crônica de descanso favorece a fadiga, o envelhecimento precoce, queda na imunidade e sonolência durante o dia, além do aumento no risco de desenvolver doenças crônicas, como transtornos psiquiátricos e cardiovasculares.
Abaixo, reunimos os primeiros efeitos que as noites em claro podem provocar:
24 horas sem dormir: Um dia sem descanso já pode trazer consequências como irritabilidade, dificuldade de concentração e cognição, tremores, fadiga, redução na coordenação e compulsão alimentar (desejo por comidas especialmente calóricas).
36 horas sem dormir: Ao passar esse período acordado, é comum que a pessoa tenha pequenos cochilos, de cerca de 30 segundos, sem nem perceber. Além disso, está presente a sensação de fadiga extrema, dificuldade de socialização e de tomar decisões, além de mudanças de comportamento.
48 horas sem dormir: Nessa fase, a fadiga e a irritabilidade se tornam ainda mais intensas. É possível que a pessoa comece a ter alucinações. Aumento no nível de estresse e ansiedade também podem ocorrer.
72 horas sem dormir: Após ficar tanto tempo sem descansar, os cochilos involuntários tendem a ficar mais frequentes. A falta de sono impacta a percepção do indivíduo.
96 horas sem dormir: Depois de quatro dias sem dormir, a percepção da realidade tende a ficar distorcida. A pessoa pode apresentar quadros de psicose por privação de sono. Mas em geral, esses sintomas diminuem depois que a pessoa descansa o suficiente.