Excesso de telas? Pediatra dá dicas para um uso mais equilibrado no dia a dia
Quanto tempo as crianças podem passar em frente às telas? Qual é a idade ideal para ganhar o primeiro celular? Quando elas devem criar um perfil nas redes sociais? Que tipo de influenciador e de perfil elas podem seguir? Como monitorar o que elas fazem na internet? Como saber que elas estão viciadas em videogame? A partir de que idade elas começam a ter contato com nudes e sexting?
Que atire a primeira pedra o pai, a mãe ou o cuidador que nunca se fez nenhuma dessas perguntas. No mundo de hoje, não dá para escapar dessas inseguranças. Por mais que a gente fuja do assunto e adie ao máximo o contato com as telas e a entrada dos nossos filhos na internet e nas redes sociais, chega uma hora que não dá mais para segurar. Eles mergulham de cabeça no universo digital e, assim como nós, passam a ter também uma vida mediada cada vez mais por aparelhos eletrônicos.
É aí que vem o desafio: o que fazer para que as crianças e os adolescentes cresçam e se desenvolvam de forma saudável nesse mundo tão dominado pela tecnologia? Não é fácil mesmo responder essa dúvida. "Alguns pais podem até achar que sabem [como fazer isso], mas não sabem, porque eles não viveram isso. Esses pais de hoje têm pouca experiência sobre o que pode ser o mundo virtual para uma criança", diz a pediatra Ana Escobar, colunista da CRESCER.
Em 144 páginas, a pediatra traz dicas práticas e ela fala sobre como podemos conduzir nossos filhos pelo caminho de uma relação saudável com o mundo digital. "Necessitamos de uma bússola que nos indique o norte. Essa 'bússola' pode ser a informação. Esse é o propósito deste livro. Fornecer aos pais e cuidadores informação embasada em dados científicos que atualmente nos estão disponíveis para que cada um escolha o seu 'norte', de acordo com seu conhecimento, história, convicções e propósitos de vida", diz ela. A seguir, em entrevista exclusiva à CRESCER, ela mostra como é possível fazer isso.
CRESCER: O uso equilibrado das telas é algo debatido há muito tempo. Por que a ideia de escrever um livro sobre isso justamente nesse momento? O que há de novo nessa discussão?
Ana Escobar: O que me motivou fazer esse livro foram as dúvidas que eu recebia dos pais no dia a dia de consultório. Eu via que a imensa maioria deles têm dúvidas muito grandes sobre o que fazer em relação ao mundo eletrônico e as crianças. Quando dou o primeiro celular para o meu filho? Quanto tempo pode ficar em um eletrônico por dia? Pode jogar ou não pode jogar? Deixa ele entrar na rede social? Vigia a rede social? Como que eu vigio o conteúdo que me filho está vendo? Eu sempre gostei de estudar esse assunto e pensei 'Vou reunir essas informações que talvez possam ajudar os pais'. E assim nasceu o livro.
C: Essa geração de pais é a primeira ou a segunda que está tendo de lidar com essas questões, não é uma experiência que pais de outras épocas também viveram. Será que é esse o motivo de tanta angústia e de tantas dúvidas surgindo?
A.E.: Exatamente. Essa geração de agora é uma geração de pais que está, na verdade, encarando isso pela primeira vez. E ainda temos que considerar que tivemos a pandemia no meio do caminho. Com o isolamento, todo mundo, inclusive as crianças, começou a ter uma vida online muito maior do que tinha antes. Ainda estamos aprendendo essa nova dinâmica. É por isso que eu acho que o livro veio num momento bom.
C: Com a pandemia, as orientações em relação à forma como apresentamos a tecnologia para as crianças também mudaram? Ou continuam valendo as mesmas regras de antes?
A.E.: Algumas coisas não mudaram, outras mudaram. Vou te dar um exemplo importante. Por exemplo, a gente sabe que a incidência de doenças mentais na pandemia aumentou muito. Então, o que acontece? As pessoas começaram a estudar isso e ver o efeito das telas na saúde mental. Novos estudos vão aparecendo e vão dando base para as orientações que a gente dá. Por exemplo, a miopia triplicou na pandemia. Agora a orientação é assim: você fica com o olho na tela 20 minutos, vai na janela, olha lá longe e volta para a tela depois. A pandemia mudou muita coisa, mas, de uma maneira geral, a ideia de que as telas têm que ser usadas com parcimônia por todo mundo, inclusive pelas crianças, isso não mudou.
C: Então, as orientações antigas seguem valendo, apenas somamos outras novas recomendações. É isso?
A.E.: Exato. A pandemia foi mais ou menos um laboratório de uso das telas. Na medida em que todo mundo usou mais, mais rapidamente a gente viu os efeitos das telas no desenvolvimento das crianças e constatou que não foi, de fato, muito bom.
C: Podemos dizer que, por causa do maior uso de telas na pandemia, o desenvolvimento das crianças de hoje foi mais prejudicado em comparação ao desenvolvimento de gerações que não tiveram esse contato tão intenso com tantas telas na infância?
A.E.: Ainda não há estudos sobre isso. O impacto no desenvolvimento das crianças de hoje aconteceu, de fato, mas ainda é um pouco cedo para a gente fazer essa comparação com outras gerações. Tem gente estudando isso, mas tem que esperar um pouco até esses estudos serem elaborados, publicados, validados... Aí, sim, vamos poder afirmar alguma coisa nesse sentido.
C: No livro, você fala que, nos primeiros anos de vida da criança, quando o assunto é tecnologia, a preocupação dos pais é apenas em relação ao tempo que a criança fica nas telas. Depois, quando ela cresce, uma infinidade de novos desafios aparecem. Que desafios são esses?
A.E.: Conforme a criança vai crescendo, ela vai querendo entrar mais nesse mundo virtual, seguir mais os influenciadores, entrar mais nas redes sociais... Há mais ou menos 20 anos, o mundo só chegava até a criança quando ela saía pela porta de casa e se expunha a ele. Hoje o mundo chega às crianças dentro da própria casa delas, com a internet e as redes sociais. Os perigos do mundo aparecem de uma forma muito mais intensa e precoce, cada vez mais cedo. Quando vamos com a criança no shopping, dizemos 'Cuidado, não fala com quem você não conhece'. Tentamos proteger a todo custo. Não obstante, quando a criança entra numa rede social, ela pode estar falando com milhares de pessoas estranhas e fazendo coisas que não são do interesse da família, sem que a gente consiga ter todo esse controle.
C: Essa questão da segurança é mesmo uma grande angústia para os pais, tanto é que no livro você dedica vários capítulos a esse assunto e dá dicas de como identificar os sinais de que a criança está realmente pronta para ocupar esse espaço virtual de forma segura. Mas e o contrário? Quais são os sinais de que nós, enquanto pais e cuidadores, estamos prontos para mediar e conduzir as crianças nesse processo?
A.E.: É complicado, realmente difícil responder isso. Para os pais que se sentem absolutamente prontos para mediar esse processo, sinto em dizer que não sei se estão prontos mesmo. Na verdade, eu acredito até que ninguém nunca vai estar pronto. As variáveis são tão gigantes que não dá para se sentir seguro em encarar todas elas. O que eu acho que os pais podem fazer é ficar num estado de alerta e, principalmente, conversar para entender em quais caminhos as crianças estão andando nesse mundo virtual. Não dá para largar mão e pensar 'meu filho já é maduro o suficiente'. Pode até parecer que sim, mas acredite: ele não é. Não dá para abrir a guarda, nem achar que uma única conversa é suficiente e 'acabou, já fiz tudo o que tinha para fazer'.
C: Até porque isso vem de um lugar de uma falsa sensação de segurança, não é?
A.E.: Exatamente. Às vezes eu ouço pais dizerem que não estão a fim de se preocuparem com isso agora, porque têm mais coisa para fazer. A minha sugestão é: não abra a guarda, porque o problema é grande.
C: Quando falamos em supervisionar e orientar as crianças a fazer esse uso mais consciente e mais responsável das ferramentas eletrônicas, nos colocamos sempre numa posição de querer ensiná-las, como se tivéssemos todas as respostas. Mas o que nós podemos aprender com as crianças e o que precisamos aprender antes de querer ensiná-las?
A.E.: Eu acho que, na verdade, os pais talvez aprendam muito mais com os filhos. Por isso que eu insisto em dizer que o diálogo (e não o monólogo dos pais) é sempre a melhor opção para entender o que está se passando no mundo dos filhos. Porque alguns pais podem até achar que sabem, mas não sabem, porque eles não viveram isso. Esses pais de hoje têm pouca experiência sobre o que pode ser o mundo virtual para uma criança. Então, tem que ouvir as crianças sem essa coisa de “eu sei mais do que você”. Não sabe. Temos que ouvir, orientar, sem nos colocarmos num pedestal. Isso nunca dá certo. O melhor é “me fala o que está acontecendo, eu quero aprender e talvez eu possa te ajudar a sentir se alguma coisa não está indo bem.”
Por - Revista Crescer