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Desmonte de agência meteorológica dos EUA expõe agricultura a maiores riscos mundo afora

Desmonte de agência meteorológica dos EUA expõe agricultura a maiores riscos mundo afora

Depois de anunciar a retirada dos Estados Unidos do Acordo do Clima de Paris, em mais uma ação da sua pauta negacionista das mudanças climáticas no planeta, o presidente norte-americano Donald Trump demitiu centenas de funcionários da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês), a principal e mais respeitada agência de previsão meteorológica e climática do mundo.

Os cortes podem afetar — já no curto prazo — a emissão de alertas para eventos extremos nos Estados Unidos, como tornados e tempestades esperados para os próximos dias, alertaram jornais, parlamentares e cientistas norte-americanos.

Mas o potencial de dano é maior. Um possível desmonte da NOAA tem capacidade de prejudicar a acurácia da detecção dos fenômenos climáticos, como El Niño e La Niña, que alteram os regimes de chuvas e temperaturas nas regiões agrícolas do Brasil e de outros países, o que dificultará ainda mais o planejamento das safras e expõe produtores rurais a riscos ainda maiores.

 

Prejuízos para o mundo

A intervenção na agência é classificada como um “desastre” por especialistas brasileiros. Ex-presidente do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Miguel Ivan Lacerda disse que a NOAA exerce um papel fundamental para a meteorologia mundial como integradora e sintetizadora de dados enviados por diversos países. Demissões em massa e uma possível desestruturação da agência podem prejudicar a previsão meteorológica e climática do mundo inteiro, alertou, além de prejudicar a precisão e eficiência das informações.

“Uma das coisas mais perigosas é a acurácia de detecção de El Niño e La Niña”, disse. Segundo ele, todas as boias marítimas que medem a variação de temperatura no Oceano Pacífico são norte-americanas, controladas pela NOAA, que faz a distribuição dos dados para o resto do mundo. Se o fluxo for quebrado ou dificultado, as informações finais não terão a mesma precisão. “A previsão continua, mas, se houver um desmonte, ficará mais imprecisa e ineficiente”, afirmou.

“Fica cada vez mais uma previsão de aproximação, com menos acurácia na definição de quando terá secas grandes no Brasil, quando terá grandes chuvas, quando mudará o clima de El Niño para La Niña que influencia na agricultura”, acrescentou.

Organizações públicas têm acesso gratuito às informações da NOAA por meio de acordos internacionais. Empresas privadas que fazem previsões meteorológicas podem adquirir esses dados de estações meteorológicas, da rede de radares, de satélites e de medição de correntes e temperaturas marítimas. “Sem o setor público para fazer essa distribuição, logística e estruturação, o setor privado não consegue o dado primário”, apontou.

Para o ex-presidente do Inmet, a interferência na NOAA pode ser um caminho para a privatização da meteorologia. “Podem privatizar essa rede de estações e privatizar a meteorologia. É um caminho possível. Se há rede de satélites, radares, estações e boias privadas, o dado seria privado”, apontou.

O alerta sobre as demissões foi feito pela senadora democrata Maria Cantwel e repercutiu na imprensa americana nos últimos dias. Ela é membro do comitê do Congresso norte-americano que supervisiona a agência. Segundo a parlamentar, ao menos 880 pessoas foram demitidas. Os cortes fazem parte da agenda de Trump e Elon Musk, do Departamento de Eficiência Governamental, para tentar reduzir o tamanho da força de trabalho federal.

“As demissões colocam em risco nossa capacidade de prever e responder a eventos climáticos extremos, como furacões, incêndios florestais e inundações, colocando comunidades em perigo”, disse a senadora, em declaração publicada em seu site na última quinta-feira (27/2). Ela afirmou que os cortes na NOAA também ameaçam o comércio marítimo norte-americano e colocam em risco 1,7 milhão de empregos que dependem da pesca. A NOAA tem cerca de 12 mil funcionários.

Segundo a parlamentar, o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, dá um apoio “muito morno” à NOAA. Recentemente, ele negou ao Congresso que haverá um “desmantelamento” da agência. As mudanças fazem parte do “Projeto 2025”, elaborado por uma entidade conservadora no ano passado e ao qual Trump negou vínculo direto a seu plano de governo. O documento trata a NOAA como “indústria de alarmes de mudança climática”.

A União de Cientistas Preocupados (UCS) entregou uma carta assinada por 2,5 mil especialistas ao Congresso e ao secretário Lutnick em que pede proteção à equipe, ao financiamento e à independência científica da NOAA.

“As demissões em massa de funcionários da NOAA hoje sinalizam uma nova realidade sombria (...) Estripar a NOAA é um movimento político projetado para suprimir a pesquisa da ciência climática às custas do fornecimento de informações críticas que ajudam a garantir a segurança das comunidades. Censurar a ciência não muda os fatos sobre a mudança climática”, disse Juan Declet-Barreto, cientista social sênior para vulnerabilidade climática no Programa Clima e Energia da UCS, em declaração publicada no site da entidade.

A revista norte-americana The Atlantic escreveu nos últimos dias que a previsão do tempo “está em apuros” e que as demissões na NOAA tornarão os relatórios meteorológicos “menos confiáveis”. Publicações do periódico afirmaram também que Trump “está sabotando a ciência climática”.

 

 

 

 

 

 

Por - Globo Rural

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