Sábado, 20 Setembro 2014 22:23

Presos tomam conta de mulher de 102 anos em Pelotas, RS

Filha de um fazendeiro de Pelotas no Rio Grande do Sul, Maria Ribeiro da Silva Tavares deixou o pai de cabelo em pé quando decidiu gastar toda a herança de viúva com presos.

 

Maria levou presos de alta periculosidade para viver em sua própria casa, ao lado do filho pequeno.

 

Maria já trabalhava como voluntária no Presídio Central de Porto Alegre, quando perdeu o marido.

 

 

Em 1936, aos 24 anos de idade, conseguiu convencer a direção do local a dar abrigo a 36 presos.

 

No primeiro dia fora do presídio, antes de iniciarem o trabalho que ela conseguiu para todos em obras da prefeitura, Maria concedeu a eles um privilégio: eles poderiam visitar a família, desde que voltassem à tarde. Nenhum deles fugiu.

 

O Patronato Lima Drumond, que hoje funciona em parceria com o Estado, foi fundado por Maria seis anos mais tarde, com recursos próprios e a ajuda dos detentos.

 

Hoje, 78 anos depois, a assistente social de 102 anos continua morando no local em que 63 homens cumprem pena do regime semiaberto.

 

 

A maioria deles tem entre 35 e 45 anos e foi condenada por tráfico de drogas e homicídio. A taxa de fuga é considerada baixa, em média uma por mês, principalmente porque não há grades nem celas no local.

 

Doze anos atrás, Roberto Sotello era um dos candidatos a viver no patronato. “A direção [da época] não me aceitou. Diziam que eu era muito perigoso. Mas ela argumentou que a casa não era para os santinhos”, lembra ele, que desde então atua como cuidador da idosa.

 

No último “veraneio”, como os gaúchos chamam as férias de verão, ele levou Maria para acampar com sua família durante cinco dias na lagoa dos Patos, RS. Mesmo de cadeira de rodas, ela tomou banho no rio.

 

Quando Sotello não está por perto, os outros “anjos”, como ela chama os presos, tomam conta de Maria.

 

 

O zelo não é de hoje. Os presos a protegem desde a época em que ela era a única autorizada por eles a entrar na cadeia para mediar rebeliões.

 

Em uma ocasião, ela levou os criminosos para trabalhar na fazenda de uma amiga, entre eles um condenado por estrangular várias mulheres. Durante a noite, ao sair do quarto, encontrou quatro presos dormindo em frente ao aposento para protegê-la. O episódio foi relatado no “Jornal do Brasil”, em 1974.

 

Atualmente, três detentos aguardam vaga no patronato — estabelecimento que pode ser público ou privado e prevê cumprimento de pena do regime semiaberto e aberto, além de atendimento aos egressos do sistema penitenciário.

 

Uma das “receitas” para que a ressocialização seja bem-sucedida é nunca exceder a capacidade de 76 vagas, diz a diretora-executiva do patronato, Sirlei Hahn.

 

“A gente procura aceitar o preso com histórico carcerário de trabalho, sem problemas disciplinares. Não interessa o crime ou a pena, mas o histórico no sistema prisional. São merecedores”, afirma Hahn.

 

Prestes a completar 103 anos, em novembro, Maria está lúcida, mas ouve mal e se locomove principalmente em cadeira de rodas.

 

“Ela se cobra da limitação física”, conta Carlos Eduardo Aguirre, 57, filho adotivo de Maria. “Quando ela quer sair, ela sai. Ela é atrevida”, completa Sotello, lembrando que Maria não perdeu nem a vaidade com o passar dos anos. “Ela é nobre, gosta de estar bem arrumadinha, de sapato”, afirma.

 

 

MÉTODO DE RECUPERAÇÃO

 

“Não existem criaturas irrecuperáveis, mas métodos inadequados”. É assim que Maria iniciou seu trabalho de conclusão de curso de Serviço Social pela PUC-RS. Publicado originalmente em 1948, a pesquisa sobre o sistema carcerário foi republicada em 2013 pela Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), em um seminário em sua homenagem.

 

No trabalho, Maria descreve a “metodologia” de tratamento dos presos, baseada em confiança, diálogo e respeito. Maria aponta entre as principais “causas de delinquência” os “lares desajustados” e recomenda como tratamento preventivo o “amparo à família, reajustamento do lar e assistência à infância”.

 

Depois de gastar toda a herança nos cuidados com os presos, Maria apelava para o filho. “Volta e meio ela pedia Cr$ 100, Cr$ 200. Ela dizia: ‘Tenho que pagar a luz, o aluguel, ou vão cortar a água do anjo’. Ela sabe que, se o preso não tiver estrutura dentro de casa, vai procurar o crime”, conta.

 

Dos 1.478 estabelecimentos penais do país, apenas 16 são patronatos, segundo o Ministério da Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

Por Paula Sperb

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